DEUS VOYEUR

Em um mundo cada vez mais fluido e diverso, as fronteiras da identidade de gênero se diluem, desafiando as noções binárias e rígidas que por tanto tempo moldaram nossa compreensão da sexualidade. A sigla LGBTQIA+, com suas infinitas possibilidades, busca abarcar a rica complexidade da experiência humana, mas ainda assim, muitos se sentem perdidos em meio a tantas nuances.

A recente declaração de um artista sobre sua identidade de gênero reacendeu o debate sobre a aceitação e o respeito à diversidade. Enquanto alguns celebram a coragem e a autenticidade dessa pessoa, outros se apegam a dogmas religiosos para justificar sua intolerância. A afirmação de que a Bíblia condena a homossexualidade é frequentemente utilizada como arma para discriminar e marginalizar aqueles que não se encaixam em um padrão moral tradicional.

No entanto, a fé religiosa, assim como a identidade de gênero, é uma experiência profundamente pessoal e subjetiva. A crença em um ser superior é um conforto para muitos, mas não pode ser imposta como verdade absoluta. A tentativa de impor um único ponto de vista sobre a moralidade e a sexualidade é um atentado à liberdade individual e à dignidade humana.

Desmond Tutu, um dos maiores líderes espirituais de nosso tempo, nos lembrou que Deus não é propriedade exclusiva de nenhuma religião. A divindade, se existe, transcende as limitações humanas e não se identifica com as doutrinas e dogmas criados por homens. A ideia de um Deus vingativo e moralista, que pune seus seguidores por desvios sexuais, é uma distorção da fé e uma afronta à compaixão.

A verdadeira religião não se baseia no julgamento e na condenação, mas no amor, na compaixão e na busca pela justiça social. Se Deus existe, certamente está mais preocupado com as injustiças do mundo do que com a vida sexual das pessoas. A fome, a pobreza, a violência e a desigualdade são problemas muito mais urgentes do que a orientação sexual de alguém. A ideia de um Ser divino que, como um voyeur celestial, passa o dia observando a vida sexual das pessoas, é incompatível com a noção de um ser supremo amoroso e compassivo.

A questão da “safadeza”, conforme alguns afirmam, é complexa e culturalmente condicionada. O que é considerado imoral para alguns pode ser perfeitamente aceitável para outros. A história nos mostra que os conceitos de moralidade mudam ao longo do tempo e variam de cultura para cultura. A verdadeira imoralidade reside na crueldade, na injustiça e na falta de empatia. Amar a outra pessoa, independentemente de seu gênero, não é um pecado, mas um ato de amor.

A sexualidade é uma parte fundamental da experiência humana e merece ser celebrada em toda sua diversidade. A tentativa de controlar e reprimir os desejos e as identidades das pessoas é um projeto descabido e cruel. É hora de construir um mundo mais justo e inclusivo, onde todos possam viver suas vidas com liberdade e, acima de tudo, com dignidade.

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