PROSEANDO

CONTOS, CRÔNICAS, ETC.

NOS CAMINHOS DE EXU

A verdade é que cada um descobre sua espiritualidade de um jeito. Uns tropeçam num livro de autoajuda na rodoviária. Outros, depois de um divórcio. Eu, por mais estranho que pareça, a encontrei na cama. Fui parar num terreiro de umbanda não pela luz dos orixás, mas pelos lençóis compartilhados com o Pai e a Mãe de santo.

Não era pra eu contar isso. Mas já comecei, então vou até o fim.

Desde cedo eu fui uma criança precoce. Cresci e, quando dei por mim, decidi procurar um grupo de hedonismo. Foi lá, entre taças de vinho vagabundo e corpos generosos, que conheci a dupla. Ele, voz grave, jeito vigoroso. Ela, olhar que parecia adivinhar o que você queria antes mesmo de você saber. Juntos, magnéticos.

No início, tudo se passava em quartos de motel, e falávamos apenas daquilo que os corpos pediam. Mas o tempo, sempre ele, resolveu misturar prazer e afeto. Até que um dia vieram com o convite:

“Vai ser bacana, você vai ver. Vai lá só conhecer. Se gostar, fica.”

Fui. Gostei.

Primeiro dia, tímido. O chão coberto de folhas, velas acesas, guias brilhando. Eu ali, tentando parecer iniciado, acenando a cabeça e fingindo concentração, pra não entregar que não sabia a letra de um ponto sequer. A verdade? Estava pensando se depois viria farofa, pipoca ou algo mais carnal.

Não veio nada. Só uma confraternização tímida. A transa, essa, ficou pra outro dia. E depois outro. E assim fui entrando naquele mundo. Troquei a kipá pelo atabaque, virei cambone.

Foi batucando que conheci uma médium novata. Dessas que ri com os olhos, dessas que parecem dançar mesmo quando paradas. Bastava um toque no couro e ela já se aproximava, meio em transe, meio em flerte, roçando ombros e intenções. Diziam que estava incorporada, mas a sensualidade era tamanha que eu nunca soube se era Pomba-Gira ou pura malandragem.

Eu, claro, não sou de ferro. E aconteceu, com mais rodopio que qualquer gira que já tinha visto no terreiro.

Mas domingo seguinte notei um detalhe: olhares atravessados do Pai e da Mãe de santo. No começo achei paranoia. Depois percebi: meus mentores espirituais e sensuais estavam me riscando da agenda. Convites rarearam, carinhos viraram formalidades. Ele, que batia meu ombro, agora só acenava. Ela, que chamava de “meu lindo”, passou a soltar um seco “irmão”.

Sobrou a novata. Mas aí veio o golpe final: no motel, na hora H… silêncio. Ou melhor, silêncio do corpo. Meu pau, circuncidado e flácido como nunca, não respondia a apelo algum: carinho, sussurro, promessa. Apelei pra uma reza em hebraico, depois pra Zé Pelintra, mas nada. Broxada épica, com direito a desculpa clássica: “isso nunca aconteceu antes”.

A cena foi tragicômica: ela se vestindo em silêncio, eu tentando ressuscitar o defunto como quem sopra vela apagada. O destino já tinha decidido.

Foi macumba, certeza! E uma macumba brava, daquelas feitas, com bebida importada e charuto cubano.

Resumo do atabaque: perdi o casal, perdi a médium, perdi o prestígio. Restou a vergonha e um batuque imaginário que ecoa até hoje quando passo perto do terreiro.

Enquanto uns descobrem a luz, eu tropecei na sombra.

Moral da história? Nenhuma. Só um conselho: se tiver um caso com uma mãe de santo, não deixe ela irritada.

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