A noite estava quente e eu fiquei debruçado sobre a grade da varanda, observando a rua. Na verdade, fiquei observando mais as estrelas e a lua crescente amarelada, tão grande que conseguia ver São Jorge sobre o seu cavalo matando o dragão com a lança pontiaguda. Acendi meu último cigarro e dei tragadas leves enquanto observava a lua que começava a se esconder atrás de uma nuvem acinzentada. 

Dei a última tragada e segurei a fumaça na boca por mais tempo a fim de prolongar aquela sensação prazerosa. É estranho, mas parece que o finalzinho de tudo é mais gostoso. A última gota do refrigerante na latinha, aquele resto de iogurte que fica no copinho e que precisamos tirar com o dedo, ou o leite condensando que fica preso no fundo da lata. Com o cigarro acontece o mesmo. A sensação inicial é de perda, mas chupar o danado até sorver a última fumaça proporciona prazer singular. Talvez seja instinto de caça herdado de nossos ancestrais das cavernas.

Continuei debruçado sobre a grade, olhando para qualquer lado, sem observar nada em particular. Após algum tempo, um cara de meia-idade desceu a rua passeando com um vira-lata e fumando um cigarro de maconha. Senti o cheiro de mato queimado que subiu e despertou em mim a vontade de fumar outro cigarro. 

Eu já havia acabado um cigarro há menos de dez minutos, mas, quando estou sozinho, gosto de ter a chupeta do capeta como meu companheiro e sentir a fumaça subir envolvendo o meu rosto como um abraço amigo.

Àquela hora, o único lugar aberto era na loja de conveniência do posto de gasolina, quatro quarteirões abaixo. A rua estava deserta e eu conseguia ouvir o uivo de um cachorro distante dali, triste, solitário.

Da minha casa até a loja do posto são apenas quinze minutos de caminhada andando em passos lentos.

Desci a rua devagar, sem pressa, desviando dos carros que eventualmente passavam por mim. Faço aquele trajeto todo dia, porque o ponto de ônibus fica do outro lado da rua, em frente ao posto de gasolina, e já conheço de cor e salteado cada buraco no asfalto, cada irregularidade na calçada, cada árvore plantada nas calçadas. De manhã, costuma ter um fluxo de carros mais intenso, motos e pessoas subindo e descendo, mas àquela hora a rua estava deserta. 

Cheguei na loja de conveniência exatamente quinze minutos após sair de casa. Antes de me dirigir ao caixa, passeei entre as gôndolas a fim de ver se tinha algo interessante. Essas lojas sempre oferecem uma diversidade de doces bem maior do que os que encontramos nos mercados e, não raro, encontramos refrigerante ou suco importados e com sabores diferentes dos que estamos habituados. Enquanto eu passeava entre as prateleiras, percebi o olhar de um carinha sentado próximo à máquina de café. Ele estava olhando na minha direção e fez um cumprimento sutil com a cabeça, acompanhado de um sorriso pequeno no canto da boca. Respondi ao cumprimento com a cabeça e segui para o caixa sem pegar apanhar qualquer produto exposto.

A marca de cigarro que eu queria tinha acabado, provavelmente por ser a mais popular e ter um preço mais em conta. Escolhi uma marca qualquer de cigarro light. Eu sei que cigarro é tudo a mesma porcaria e os danos que causam ao organismo são semelhantes, mas o cigarro light, com baixo teor de alcatrão e nicotina, passa a falsa sensação de ser menos prejudicial.

Quando me afastei do posto, a primeira coisa que fiz foi abrir a caixinha e tirar um cigarro de dentro. O cheiro de chocolate que recendia do maço atiçou ainda mais a minha vontade de fumar. Apesar de fumar mais do que puta presa, antes de acender o dito cujo, eu gosto de abrir o maço e cheirar. Cigarro na caixinha tem um cheiro de chocolate meio amargo, daqueles escuros, não muito doces, mas viciantes.

Já havia caminhado uns cem metros quando ouvi passos apressados vindo atrás de mim. Minha rua sempre foi tranquila, mas nóias e filhos da puta tem em todo lugar. Percebi que os passos atrás de mim seguiam mais acelerados e comecei a andar mais rápido. Sem diminuir o ritmo dos passos, me virei a fim de ver quem estava me seguindo.

Era o carinha que estava na loja de conveniência, o que me proporcionou certo alívio. Claro que ele podia ser ladrão querendo roubar o meu celular ou um psicopata com os pensamentos mais sombrios e inimagináveis, entretanto era um rosto familiar.

“E aí?” Disse ele ao se aproximar. “Vi que você comprou cigarro. Se importa em me dar um?”

Balancei a cabeça negativamente.

“Desculpa, cara, mas eu nem te conheço…”

Ele sorriu e estendeu a mão na minha direção. 

“Não seja por isso. Me chamo Alberto.”

Cumprimentei com a cabeça, disse a ele o primeiro nome que me veio à mente e continuei caminhando.

“Não vai me oferecer o cigarro, né?” Ele insistiu depois de uma risadinha marota. “Não tem problema. O cigarro foi apenas um pretexto. Tô querendo colocar outra coisa na boca.”

Era uma situação surreal, mas o carinha estava dando em cima de mim na cara dura. Ainda assim, me fiz de desentendido e continuei andando, sem responder.

“Hoje eu tô a fim de chupar uma rola e quando te vi na loja… sei lá, fiquei afinzaço” ele enfiou os dedos nos cabelos e deslizou até a nuca. “Só uma chupada. Nada além disso.”

Eu já recebi os mais diversos tipos de investida, mas nunca daquela forma. O carinha parecia cadela no cio quase implorando por um boquete.

“Cara, não leva a mal, mas eu não tô a fim de sexo. Só queria fumar meu cigarro em paz.”

Ele riu.

“Mas quem disse que eu quero sexo?” Só um boquete de leve, nada mais.”

Apesar da situação inusitada, deixei escapar uma risada e balancei a cabeça.

“Não vai rolar, não”, respondi olhando nos olhos dele.

“Tudo bem, mas não custava tentar, né? Se importa se eu subir a rua com você?”

De que adiantaria uma negativa da minha parte? A rua é pública e eu não podia impedi-lo de transitar por ela. Não me sentia confortável em caminhar com o estranho, mas, naquele instante, era melhor ser seguido por um boqueteiro do que por um nóia filho da puta. Ele era um carinha branco, magro e aparência frágil e dificilmente conseguiria fazer algo contra a minha vontade.

“Mora por aqui?” Perguntei depois de algum tempo.

Ele balançou a cabeça afirmativamente e estendeu a resposta, contando em qual bairro morava e há quanto tempo havia se mudado para a região. Não contei muito sobre mim, o objetivo da conversa era saber sobre ele. Diminuímos os passos e seguimos conversando.

Quando eu era adolescente, trepei com um garoto vizinho de casa. Foi uma vez só, às escondidas em uma casa abandonada e com medo mortal de ser descoberto. Não curti. Fiquei com medo de Deus me castigar, o que me causou um peso na consciência lascado e um receio de acontecer algo ruim a qualquer instante. 

Eu cresci na igreja, indo nos cultos com a minha mãe aos fins de semana, e passei a adolescência acreditando que fazer sexo com outros garotos era pecado, talvez por isso a minha experiência não tenha sido prazerosa. “Sodomia é obra do inimigo, irmãos!” disse o pastor certa vez sobre o púlpito. Seu discurso era acalorado e ainda me recordo do rubor no rosto branco do pregador e dos socos que ele dava no ar sob os aplausos excitados dos presentes. “Cigarro é a chupeta do capeta!” Disse o mesmo pregador em outra ocasião. Tudo era pecado e Deus vigiava cada atitude, pronto a me castigar.

Convivi com essa mentalidade até experimentar o primeiro cigarro. E era muito bom pra ser pecado! Naquele dia, caguei pra igreja e nunca mais fui em um culto.

Finalmente, paramos em frente à minha casa. 

“Não vai mesmo aceitar a minha proposta, né?” Indagou com um sorriso amistoso.

Balancei a cabeça, tirei um cigarro do maço, acendi e dei uma tragada forte. Depois estiquei o braço na direção e ofereci o cigarro que recendia o odor almiscarado enquanto a fumaça subia em uma dança suave e se dissipava sobre nós.