OBSERVAÇÕES NOTURNAS

O rapaz estava lá, recostado no parapeito da sacada do seu apartamento. Cigarro aceso entre os dedos, olhar distante, como se nada mais importasse. Era uma cena que se repetia todas as noites. Eu, por minha vez, observava-o da janela do meu próprio apartamento, utilizando a velha luneta que herdei do meu pai.

Nunca fumei cigarro. Desde cedo aprendi sobre os malefícios que ele traz à saúde. “Meu filho”, costumava dizer meu pai, “não se envolva com essas porcarias”. E eu segui seu conselho.

Meu vizinho – essa foi a melhor maneira que encontrei para me referir a ele em meus pensamentos -, inclinou a cabeça para trás e soltou a fumaça, como uma chaminé em pleno funcionamento.

Ajustei o foco da luneta e me acomodei melhor na cadeira da minha própria sacada. Ele não tinha como me enxergar; eu mantinha as luzes apagadas, como parte do ritual de observá-lo todas as noites.

Ele deixou a bituca cair pela janela e seu olhar vago vagueou na direção do meu prédio. Acompanhei com os olhos o brilho avermelhado do restante do cigarro, que caía leve até encontrar o chão. Em seguida, posicionei novamente o olho atrás da lente e retomei minha observação do vizinho.

Ele permaneceu imóvel por alguns instantes, como se estivesse mergulhado em pensamentos. Após dois ou três minutos, ele recuou para dentro, deixando a porta de vidro da sacada entreaberta. mas ele ia voltar; ele sempre retornava.

E retornou. Retirou algo do bolso, despejou-o cuidadosamente sobre o parapeito da sacada, ajustou-o com os dedos, e então, com gestos meticulosos, introduziu algo nas narinas. Sua cabeça baixou momentaneamente. Depois, endireitou-se, passou as costas dos dedos pelo nariz, inseriu o objeto cilíndrico na outra narina e repetiu o procedimento. Era evidente: o filho da puta estava cheirando pó.

Conheço um usuário de drogas, já me envolvi com cocaína por alguns anos, mas essas substâncias produzidas em laboratório são verdadeiros venenos para nosso organismo. Se não fosse por Deus, provavelmente já teria partido há muito tempo.

Meu vizinho adentrou novamente, deixando a porta de vidro da sacada entreaberta, indicando que logo retornaria.

Ao regressar, trazia um copo numa mão e um cigarro aceso na outra. Suspeitei que fosse café. Café e cigarro, uma combinação clássica. Agora o ritual era outro: uma tragada no cigarro, uma baforada, seguida por um gole de café, tudo feito com calma, em um ritual quase sagrado que se estendeu por cerca de dez minutos.

Após uma deliciosa espreguiçada, meu vizinho entrou e fechou a porta de vidro da sacada. Parecia que naquela noite ele havia desistido de sair para fumar.

Agora era minha vez de relaxar e contemplar a vida. Entrei em casa, servi-me de uma taça de vinho, um Cabernet Sauvignon safra 2015, e acendi um baseado feito com erva hidropônica, enquanto admirava a lua cheia no céu claro de fim de verão.

Para mim, vinho é para ser apreciado com moderação, uma taça de cada vez, e o baseado só se for feito com uma erva de qualidade, nada dessas porcarias que algumas pessoas usam por aí.

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