Ah, os salões de beleza! Templos sagrados da beleza onde a vaidade reina suprema e onde, às vezes, a ironia do destino decide dar uma passadinha para aparar as pontas.
Foi numa terça-feira ensolarada que ela adentrou o salão. Nariz empinado, óculos de sol de grife equilibrados precariamente no topo da cabeça, como se fossem uma coroa. Seu olhar percorreu o ambiente, analisando cada detalhe com a precisão de um inspetor sanitário em dia de mau-humor.
“Olá, querida!”, cumprimentou a recepcionista com um sorriso digno de comercial de creme dental.
A cliente, que, por questão de ética, chamaremos de Madame X, respondeu com um aceno de cabeça tão sutil que poderia ter sido confundido com um espasmo nervoso.
“Sabe”, começou ela, ajeitando a bolsa de marca no braço, “Costumo ir no Marco Antônio de Biaggi. Sabe como é, né? O padrão dele é impecável!” Ela deu uma risadinha nervosa. “Mas uma amiga me indicou este lugar, então resolvi vir. Espero não me decepcionar!” Disse forçando um sorriso simpático.
Carlos, o cabeleireiro que iria atendê-la, se aproximou com um sorriso enigmático. “Será um prazer cuidar da sua beleza, Madame X. Prometo que faremos o possível para estar à altura das suas expectativas.”
Enquanto lavava os cabelos de Madame X, Carlos ouviu um monólogo interminável sobre as celebridades que ela encontrava no salão do Marco Antônio de Biaggi, os eventos de gala que frequentava e como era difícil achar bons profissionais hoje em dia.
“Querida, relaxa que você está em boas mãos!” Disse Carlos em determinado momento. “Tensão demais no couro cabeludo pode causar queda de cabelo. E imagino que você não queira usar perucas como a Beyoncé, não é mesmo?”
Madame X engasgou-se com a própria saliva. “Sério? Não sabia que Beyoncé usa peruca?!”
Carlos deu de ombros, com um ar de quem sabia todos os segredos do universo. “Ah, você bem sabe como são essas celebridades, são todas fake! Lentes brancas nos dentes, plástica no nariz e aí por diante.”
Três horas depois, a fera estava domesticada. A expressão de poucos amigos deu lugar a um sorriso de satisfação que iluminava seu rosto amargo. Enquanto a maioria dos clientes paga à vista e segue em frente, Madame X perguntou em quantas vezes seria possível parcelar e aproximou o cartão colorido, que, aliás, combinava com a maquininha vermelha da Getnet. Depois, fez uma selfie em frente à parede instagramável da recepção e saiu com evidente satisfação. Carlos, por sua vez, a observou partir com uma sensação de alívio, como quem finalmente se livra de uma cliente chata… e de uma fatura.
Um mês se passou. Carlos, em seu dia de folga, decidiu visitar um velho amigo que trabalhava num salão popular do outro lado da cidade. Ao entrar no estabelecimento, seus olhos quase saltaram das órbitas: lá estava Madame X, sentada numa cadeira de plástico, com a cabeça coberta de tinta barata.
Seus olhares se cruzaram. O rosto dela assumiu um tom de vermelho que combinava perfeitamente com a tinta em seu cabelo.
“Ora, ora!”, exclamou Carlos, aproximando-se com um sorriso radiante. “Que surpresa agradável encontrar você por aqui!”
A mulher, antes arrogante, se encolheu sobre a cadeira como um animal acuado, e gaguejou enquanto buscava uma explicação. “Eu… é que… bem… as coisas não andam fáceis pra ninguém, você sabe como é.”
“Claro, amore!” Ele fez o gesto de zíper com os dedos em frente à boca e deu uma piscadinha irônica. “E não se preocupe, querida, seu segredo está seguro comigo. Afinal, como dizem por aí: o que acontece no salão popular, fica no salão popular!”
E com uma reverência exagerada, Carlos se afastou, deixando Madame X mergulhada em um silêncio constrangedor, enquanto a tinta escorria lentamente por sua testa.