AZEITONAS

Após várias tentativas, Celina havia conseguido chegar ao oitavo mês de gestação. Durante anos, ela fez tratamento com o objetivo de engravidar, entretanto em todas as tentativas anteriores a gestação não chegou ao quarto mês. Mas dessa vez, sim, ela irradiava alegria! Enfim, aos 37 anos conseguiria ser mãe.

Com o objetivo de evidenciar a barriga, Celina passou a vestir-se com batas e vestidos típicos de gestante. Quando optava pelo jeans, dava preferência ao jeans de cós baixo e blusa curta.

Era fim de semana, dia da festa de aniversário da sogra, e Celina havia comprado a vestimenta para aquela ocasião tão especial: um vestido plissado com decote traspassado e manga 7/8. As delicadas flores brancas valorizavam ainda mais o tom verde-chá do vestido. 

Quando ela chegou ao local da festa, não teve como passar despercebida.  Todos se aproximavam para cumprimentá-la e desejar boa sorte na gravidez. E Celina ficava cada vez mais envaidecida. Entrou na pista e dançou, dançou, dançou. Afinal de contas, em que outro lugar ela estaria ao alcance da vista de todos a não ser a pista de dança? Entretanto, a gravidez já estava avançada e os seios pesados e pernas  inchadas não lhe permitiram dançar por muito tempo. 

Num canto do quintal, um pouco afastado da pista de dança, estavam as pessoas mais idosas proseando e colocando a conversa em dia. Celina se aproximou e encostou-se no caibro vertical da estrutura do telhado. “Véi” Miguel, sogro de uma de suas irmãs, pronta e gentilmente se colocou de pé  cedendo a cadeira almofadada à grávida. Outra mulher logo apareceu com um prato branco de plástico cheio de canapés e azeitonas e o colocou sobre a mesinha ao lado da cadeira onde Celina se sentou.

Mas a festa estava animada e ao invés de entrar na roda de conversa das  pessoas próximas de si, ela preferiu ficar observando a alegria dos que bailavam. Crianças pulando, adultos absortos ao som do forró pé de serra, mulheres rindo alto. E a gestante sorria por dentro, afastada da pista, mas dançando em seus pensamentos.

Poucos minutos depois, Celina apanhou o pratinho e encheu a mão de canapés, devorando-os num instante. Segundo afirmam, grávidas sentem uma fome além do normal e com Celina não era diferente, ela sentia a necessidade de mordiscar algo a todo instante. 

Quando os canapés acabaram, apanhou as azeitonas. Pretas, roxas e verdes, carnudas, sem caroço e salgadinhas, bastava colocar na boa e saborear. Comeu duas, quatro, seis. Sem olhar para o pratinho, apenas esticava o braço e apanhava de três ou quatro azeitonas de uma vez. Depois de comer uma dúzia, virou o pescoço a fim de ver quantas ainda restavam no pratinho. Restaram apenas duas e ela preferiu deixá-las para saborear mais tarde, distraindo-se naquele instante enquanto Vanderlei, seu marido, dançava desengonçado. Alto, magro e barba rala, lembrava um boneco dos carnavais de Olinda.

Minutos depois, voltou-se para o pratinho a fim de apanhar as duas azeitonas remanescentes e percebeu que o recipiente havia sido reabastecido, dessa vez com azeitonas roxas.

Celina sorriu satisfeita e decidiu ficar observando quem estava reabastecendo seu prato. Ainda não sabia quem estava fazendo a gentileza e queria agradecer.

Miguel, que havia se levantado minutos antes, retornou com um pratinho cheio de azeitonas e ficou de pé atrás da mesinha.

“Ah, tadinho! Então foi o ‘véi’ Miguel. Preciso agradecê-lo.”

Mas Miguel não colocou as azeitonas no prato de Celina.  Encheu a mão do fruto salgado e ficou rolando as azeitonas na boca enrugada. Celina deu uma risadinha irônica e ficou observando com olhar curioso. Miguel não tinha dentes e nem usava dentadura, como ele comeria tantas azeitonas de uma só vez?

Depois de uns instantes revirando as azeitonas com a língua, o velho colocou a mão em forma de concha sob o queixo comprido e depositou os frutos na mão, um a um, empurrando para fora com a língua. Fechou a mão trêmula e desformada pela artrose, esticou o braço e soltou as azeitonas no pratinho da Celina.

Celina ficou estática. Praticamente todas as azeitonas que ela havia comido, haviam sido chupadas pelo velho. Sentiu seu estômago embrulhando, borbulhando, seguido de um jato amargo subindo esôfago acima. Canapés, azeitonas, Coca-Cola, colocou boca afora. Quando não tinha mais o que vomitar, começou a sentir fortes cólicas, cólicas essas que se tornaram cada vez mais intensas.

A música foi desligada, as brincadeiras interrompidas e correram todos para perto de Celina. Olhos arregalados, interjeições de pavor e expressão de pesar em cada rosto ao seu redor. Será que o doce sonho de ser mãe se tornaria em pesadelo? Os oito primeiros meses da gestão foram dias de insegurança e incertezas e quando o seu maior desejo estava prestes a se concretizar, algo acontece para lhe tirar a paz outra vez.

Vanderlei se ajoelhou ao lado da esposa e chorou triste com a cabeça entre as mãos.

Após alguns instantes, o silêncio ensurdecedor foi interrompido por um grito agudo.

“Acudam! Tragam uma toalha, porque Celina se mijou toda!” Gritou uma mulher. “Valei-me, meu Padim Ciço, que a priquita de Celina está se abrindo!” Gritou outra.

Celina já estava ficando fora de si. As dores se tornavam insuportáveis e sua vagina foi se dilatando, doendo cada vez mais, adormecendo. E ali, deitada no chão, sob o olhar de todos, expeliu seu rebento. Enrugado, roxo como uma azeitona.

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