PROSEANDO

CONTOS, CRÔNICAS, ETC.

CERVEJA, VEADO, ETC.

“Opa! Como você tá? Prazer!” Tales cumprimentou sorridente quando fomos apresentados.

Isso foi ontem, na chácara de um amigo em comum. Cheguei um pouco depois das 19h e eles já estavam fazendo churrasco e bebendo cerveja. Pela quantidade de latas sobre a mesa, percebi que haviam começado os trabalhos bem antes de eu chegar.

Eu já conhecia o Tales por nome, mas nunca tinha me encontrado com ele pessoalmente, de qualquer forma, pareceu ser um cara bacana, além disso, o abraço dele me fez ter a impressão de já o conhecer há algum tempo.

Levei a mochila até o quarto e me juntei a eles. Cerveja vai, cerveja vem e a conversa bandeou para a homossexualidade. Sinceramente, não me lembro de como chegamos ao assunto, apenas recordo do Tales ter insistido em falar que não é homofóbico.

Era cerca de 1h da madrugada quando as mulheres foram dormir, e nós ficamos até às 3h, bebendo e falando sobre política, futebol, viagens e homossexualidade.

“Se eu tivesse um filho, eu gostaria que ele fosse hétero”, disse eu. “Eu ia querer ser avô, colocar os netos sentados no meu joelho e contar histórias de quando eu era garoto. Aquela clássica cena que a gente vê nos filmes”. Completei.

Tales riu e disse que se um filho dele fosse gay, não teria problema algum. Ronaldo, o dono do sítio, permaneceu calado. Apesar do silêncio do anfitrião, eu já o conheço há anos e sei que é uma das pessoas mais desprovidas de preconceito no meu círculo de amigos. Ronaldo tem três filhos e um deles é quase transexual. Na verdade, não sei qual letra do LGBTQIA+ ele se encaixa, só sei que o rapaz usa barba, faz academia, e, às vezes, veste saia e pinta as unhas. Tales, conforme fiquei sabendo, tem dois filhos, o mais novo já casado e o outro, noivo com uma garota do Rio.

Quando fomos dormir, despedi do Ronaldo com um abraço, como a gente sempre se cumprimentava, e estiquei a mão na direção do Tales. Ele me puxou pelo braço e me abraçou demorado.

“Gostei muito… mas muito mesmo de te conhecer, cara.”

A voz dele era arrastada, como a voz de qualquer cara depois de três latas de cerveja. Mas ele parecia mais pegajoso, e a sensação da barba dele ralando no meu pescoço não foi das mais agradáveis. Apesar disso, Tales era um cara bacana. Pelo menos foi a impressão que ficou.

Quando acordei o celular marcava 10h. Lá fora, o sol brilhava e eu podia ouvir o canto dos pássaros vindo de todas as direções. Melros, pardais, pássaros-pretos e outros que eu não fazia a menor ideia.

Todos já estavam terminando o desjejum, mas o Ronaldo permaneceu à mesa, a fim de fazer companhia. Tales me cumprimentou com a cabeça e um sorriso tímido, e seguiu para a piscina. Depois da conversa que a gente teve na noite anterior, imaginava uma recepção mais calorosa por parte dele, de qualquer forma, o dia passou de forma agradável. O Tales da noite anterior não existia mais e só se aproximou quando nos reunimos à mesa para o almoço.

A conversa fluiu, falamos sobre vários assuntos, mas percebi que ao fazer qualquer inserção, Tales dirigia o olhar para os demais à mesa, nunca na minha direção. No início, a atitude dele me incomodou, mas depois ignorei.

Esperei a comida assentar no estômago e decidi retornar para São Paulo. Agradeci o Ronaldo pelo convite e o abracei, como sempre fazia e, quando fui cumprimentar o Tales, ele estendeu a mão na minha direção; entendi que dessa vez ele não queria me cumprimentar com abraço. Correspondi com um aperto forte de mãos, sem dizer nada, e cumprimentei a mulher dele com um beijo. Antes de seguir para o carro, entrei no quarto a fim de apanhar a minha mochila.

“Caramba, Tales! Custava você cumprimentar o rapaz com um abraço?”

A mulher dele parecia irritada e, pelo comentário, supus que eles não tinham me visto entrar no quarto.

“Cacete! Já vai começar?” Respondeu Tales com a voz baixa e incomodada. “Você sabe que eu não gosto de veado.”

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