LARANJAS E PRECONCEITOS

Perto de casa, tem um empório. Gosto de fazer minhas compras lá porque os produtos do hortifruti são sempre frescos e de qualidade: maçãs gala, bananas nanica, bananas da terra, tomates de todos os tamanhos e laranjas de espécies variadas.

Enchi o cesto de frutas e me dirigi ao caixa, onde havia um rapaz de óculos, cabelo volumoso e sorriso simpático.

“Maçãs gala, bananas nanicas, nêsperas e laranjas… você viu o nome dessa laranja?” Indagou.

Ele levou o indicador à boca, com um ar de dúvida no rosto, a unha do indicador pintada de vermelho e ponta afiada como uma adaga chegava até à ponta do nariz.

“Putz! Não vi… Só sei o nome daquela laranja normal; essa aqui me conquistou pela aparência, mas acabei não lendo o nome dela.” Respondi de forma ingênua.

“E o que seria uma laranja normal?”

“Aquela padrão, de cor laranja, redondinha, que vende em todo canto.”

“Isso significa que, mesmo tendo uma boa aparência, as laranjas menos comuns não são normais?”

Ele fez o sinal de aspas no ar ao pronunciar a última palavra.

“Não sei, acho que sim.”

“Então você também acha que as pessoas que não seguem um padrão imposto pela sociedade patriarcal e machista não são normais?”

“Claro que são!” Respondi com firmeza.

“E por que a fruta não pode ser normal? Isso não seria uma espécie de preconceito? Olha, apesar de afirmarem o contrário, há muito preconceito escondido atrás das palavras, sabia?”

“Até pode ser, mas isso não se aplica a mim”, retruquei. “Eu sou o cara menos preconceituoso que conheço!” Protestei. “Meu melhor amigo é negro.”

Ele riu e balançou a cabeça.

“A clássica frase dos preconceituosos! Todo racista tem um amigo preto!”

Racista? Eu? Fiquei encucado. Meu melhor amigo realmente é negro e nossa amizade se estende desde a época da faculdade, no Largo de São Francisco.

“Viu só? Te deixei sem resposta.” Disse ele sorrindo, com um ar de triunfo estampado no rosto. “Pronto! Encontrei o código:  laranja baía cara cara. Uma laranja normal, apenas com nome diferente.” Concluiu.

Coloquei as frutas na sacola e deixei o empório pensativo. Será mesmo que sou um cara preconceituoso?

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