BOCA FECHADA

Quando o paciente adentrou meu consultório com a boca cerrada e completamente incapaz de abri-la, confesso que me vi envolto em um turbilhão de pensamentos inusitados. Afinal, como profissional da área de saúde bucal, não estava preparado para lidar com casos misteriosos e, quiçá, sobrenaturais. A mente fervilhava com teorias mirabolantes, que iam desde uma inédita paralisia facial até algum estranho envolvimento com as artes sombrias da bruxaria. Com um paciente incapaz de fornecer qualquer explicação, minha mente se tornou um caldeirão de especulações.

Cada pergunta que eu formulava parecia apenas aumentar a agitação do paciente, que claramente não estava em seu melhor estado mental naquele momento. Entretanto, por mais que eu desejasse possuir dons paranormais, minha habilidade se limitava ao universo da odontologia. Sem respostas para minhas indagações, eu estava no escuro, sem um ponto de partida claro. No entanto, o que eu podia fazer era examinar sua boca, como minha profissão exigia.

Guiando-o até a cadeira, coloquei o avental sobre seu peito, acendi o refletor na direção de sua boca e enfiei as luvas de silicone em minhas mãos. Embora visivelmente menos agitado, ele permaneceu com os olhos fixos e arregalados na minha direção, segurando o braço da cadeira como se estivesse prestes a ser submetido a uma cirurgia altamente perigosa.

Com um espanto não muito menor que o seu, caro leitor, percebi que o paciente tentava, desesperadamente, mover seu queixo para baixo, como se quisesse abrir a boca, mas esta permanecia fechada com uma teimosia sobrenatural. Parecia algo saído de um filme de terror: o queixo se movendo, a boca imóvel, como se tivesse sido selada por forças desconhecidas ou habilidades de costura sobrenaturalmente avançadas.

Antes de avançar com as investigações orais, decidi lançar uma última tentativa desesperada para descobrir o que estava acontecendo. “Você participou de alguma reunião de bruxaria?” Perguntei, talvez na esperança de obter uma confissão espontânea de pertencimento a uma seita secreta.

Ele franziu a testa, balançou a cabeça negativamente e, com um punho cerrado, levou a mão à boca, fazendo um estranho movimento de vaivém. Era como se estivesse tentando me comunicar algo, um enigma em gestos que eu estava começando a decifrar.

“Entendi, você estava tomando sorvete, é isso?” Indaguei, acreditando ter finalmente resolvido o enigma. Ele negou com a cabeça de forma rápida, como se tentasse afastar pensamentos obscuros.

A situação, no entanto, estava longe de ser resolvida. Sem mais delongas, decidi mergulhar de vez na busca pela verdade. Com um certo nó na garganta, inseri meu dedo na boca do paciente e comecei a aplicar uma pressão suave. O que se seguiu foi algo que, mesmo com todos os anos de experiência, nunca imaginei testemunhar.

Um odor nauseante, uma mistura aterradora de ferro e enxofre, me atingiu, provocando uma ânsia de vômito quase incontrolável. Mesmo lidando com casos de halitose crônica, aquele odor era algo totalmente incomum. Empurrei um pouco mais e o mistério começou a se revelar diante dos meus olhos incrédulos.

Uma haste metálica, brilhante como um troféu, emergia da ponta de sua língua, cruzando-a de forma sinistra e se fincando em sua bochecha. Aquilo era algo que nunca, em toda minha carreira, havia visto ou ouvido falar. Enquanto casos de aparelhos ortodônticos que se soltam e perfuram a língua são relativamente comuns, nenhum tratado de odontologia contém relatos de arcos que, de alguma forma, parecem ter sido costurados à língua e à bochecha do paciente. Estava diante de um enigma dentário tão bizarro quanto enigmático, um verdadeiro conto de horror no meu consultório.

Ao abrir um pouco mais sua mandíbula, um espanto me fez recuar. O paciente, alheio à minha reação, seja pela dor ou pela vergonha, fechou os olhos e segurou-os fechado com força. A ponta da língua estava mais redonda do que a ponta de uma linguiça calabresa, só que com um toque a mais de “sangue e mistério”. Senti o dever de tocar aquela estranha língua calabresa com a ponta do dedo e fazer um movimento suave.

“Você sente meu dedo?” Perguntei com um humor quase tão irônico quanto o nosso protagonista e seu infortúnio.

Lúcio, em sua aflição, emitiu um som gutural, uma espécie de negação murmurada.

“Ótimo, e agora, sente meu dedo?”, insisti, explorando a estranha situação com um toque de sarcasmo na voz.

Ele negou novamente. Expliquei que precisaria forçar um pouco mais a boca dele, o que causaria certo desconforto. E ele, ciente de que não tinha muitas alternativas, concordou.

Apanhei o boticão dentário e puxei o arco ortodôntico na direção contrária à bochecha. O paciente fechou os olhos com força outra vez e emitiu um gemido digno de um drama shakespeariano. Finalmente, a ponta do arco soltou-se da bochecha, e finalmente tive uma visão mais clara do que estava acontecendo na boca dele.

Contudo, a boca do paciente continuava semi-trancada, como se tivesse sofrido um bloqueio dentário digno de um cabo de guerra com o dente. Forcei um pouco mais, e ele, após certa resistência, finalmente cedeu. No entanto, a outra ponta do arco ortodôntico estava firmemente ligada a algum ponto misterioso de seus dentes, e eu precisava dar um jeito de soltar a ponta solta da língua espetada.

Eis que naquele instante surgiu a ideia incomum dentro de um consultório: um alicate de cutícula! Eu havia esterilizado o alicate de minha esposa na estufa, e ele parecia ser a ferramenta perfeita para cortar o arco sem espalhar fragmentos metálicos na boca do nosso paciente.

Após muita persistência e uma boa dose de suspense, o arco se rompeu finalmente. Removi a parte que estava cravada na língua do paciente, mas percebi que ele continuava a manter a boca semi-cerrada, talvez involuntariamente. A maioria dos pacientes faz isso.

Finalmente, o rapaz resolveu cooperar, relaxando o músculo da boca, e o que vi, caro leitor, foi nada menos do que um enigma. Não era a língua de Lúcio que tinha sido atravessada pelo arco ortodôntico, mas algo que se assemelhava a uma linguiça ensanguentada. Parecia cena de um filme pastelão de terror, no entanto, a verdade estava longe de ser esclarecida, e novas perguntas surgiam a cada segundo.

Utilizei uma pinça para extrair o corpo estranho de sua boca e coloquei o inusitado achado na bandeja. Enquanto meus olhos se fixavam no objeto bizarro, Lúcio, com olhos arregalados e sem piscar, parecia protagonizar um filme de suspense. Depois de remover a parte do arco que ainda estava presa aos dentes, enxaguei a boca do paciente. E, como você pode imaginar, fiquei ali, perplexo, olhando para o corpo estranho na bandeja, tentando entender o que acabara de acontecer. E Lúcio? Bem, Lúcio, com uma evidente mistura de constrangimento e urgência, ajustou seu topete, fez um apelo dramático e desapareceu em passos largos, sem olhar para trás.

“Pelo amor de Deus, doutor,” ele disse ao chegar à porta, “isso não pode sair daqui.”

Assim, com uma cabeça de pinto na bandeja e um mistério ainda mais inusitado, fiquei parado, tentando entender que diabos tinha acontecido naquele consultório. Sem dúvida, uma cena digna dos mais bizarros relatos da odontologia!

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