PAU CATÓLICO

É engraçado como a religião tem um poder de dominar a vida das pessoas, influenciando sutilmente em todas as esferas da vida, em todos os lugares, como uma música viral do Instagram que você não sabe o nome, mas fica lá, grudada na cabeça.

Apesar de ter sido criado na Congregação Cristã no Brasil, sempre gostei de queimar incenso em casa, uma prática um tanto incomum para os irmãos daquela igreja. De qualquer forma, nunca fui um religioso fervoroso. Quando mais novo, gostava de ir à igreja unicamente por causa do ósculo santo, aquele cumprimento com beijo entre pessoas do mesmo sexo. Aos domingos, esperava ansioso pelo fim do culto apenas pra cumprimentar o irmão Laerte. Barba da cor de cobre e um perfume amadeirado que permanecia no meu rosto até eu chegar em casa. Talvez por isso meu incenso favorito seja de sândalo: amadeirado, forte, envolvente.

Voltando ao incenso, os meus haviam acabado no dia anterior e eu precisava comprar mais. Gosto de comprar na Kalunga do shopping, onde o preço costuma ser mais em conta do que nas lojas de produtos esotéricos ou de umbanda. Além disso, sendo evangélico, não me sinto à vontade em uma loja de produtos de magia e afins.

Enquanto estava na prateleira de incensos, revirando as caixinhas em busca de outras fragrâncias que pudessem me agradar, um homem passou por mim e esbarrou no meu braço. Ele se desculpou com uma voz insegura, num misto de gagueira e constrangimento, e seguiu adiante pelo corredor. Balancei a cabeça sem olhar pra ele, e continuei a caça por incensos diferentes dos que estava acostumado a comprar.

Já estava para sair quando vi uma mão com dedos longos, como os de um pianista, se aproximar da minha mão e pegar uma caixinha de incenso de sândalo.

“Este aqui é o melhor, né? Amo sentir a fragrância de sândalo preenchendo cada espaço da casa.”

Quando olhei pra responder, lá estava o mesmo cara que, instantes antes, havia esbarrado no meu braço. Não sou do tipo que conversa com desconhecidos, mas, quando vi o sorriso cativante e os cabelos grisalhos, percebi que não podia evitar a conversa.

“Prazer!” disse ele, estendendo a mão na minha direção. “Me chamo Sandro.” (Claro que Sandro é um nome fictício, pois, por questão de ética, não vou citar o nome verdadeiro dele aqui.)

Além do sorriso cativante, ele tinha um aperto de mão firme. 

Algumas pessoas, não são poucas, têm um aperto de mão tão leve que parece que estão tentando comunicar telepaticamente. Não sei se é falta de confiança ou aversão a contatos humanos. Outras cumprimentam com as pontas dos dedos em formato de pinça, como se estivessem prestes a servir canapés invisíveis. E, meu Deus, como eu detesto esses apertos de mãos frouxos! Mas o Sandro me cumprimentou com um aperto de mão firme, do jeito que deve ser.

A conversa fluiu naturalmente para outros assuntos além do incenso. Era curioso como uma amizade começara na gôndola de uma loja, algo que eu jamais imaginara possível. Muitas vezes nos deparamos com pessoas que conhecemos há anos, mas a amizade não se desenvolve de forma genuína; fica apenas como um compromisso social, mantida por conveniência ou pelo desejo de ter pessoas atraentes, inteligentes ou financeiramente estáveis ao nosso redor.

Por outro lado, essa amizade, iniciada em menos de uma hora, me deixou incrivelmente à vontade. Era mútua, um conforto tão agradável que decidimos prolongar o papo no Starbucks. A cada novo tópico, sentia-me mais envolvido não apenas pela aparência, mas pela entonação da sua voz: profunda, bem articulada, com um toque rouco e sensual.

Eu optei por um cappuccino pequeno, enquanto ele preferiu um Mocha, coberto generosamente com chantilly e um canudo largo. Não me recordo de todos os assuntos abordados, lembro apenas que falamos sobre as pessoas malvestidas que passavam, do poodle chato latindo em nossa direção e do atendente do café, tão educado que parecia ter estudado em algum colégio interno na Suíça.

Permanecemos no café por pelo menos uma hora e, quando pensei em me despedir, Sandro me convidou pra continuar a conversa na casa dele, beber uma cerveja e ver a final do Campeonato Brasileiro. Como não ia fazer nada no restante do dia, aceitei o convite.

A casa dele ficava ao lado da Paróquia de Nossa Senhora de alguma coisa que não me lembro agora. Fiquei imaginando como deveria ser incômodo perder o sono com o barulho do sino logo pela manhã, mas acabei não tecendo comentários sobre; o foco era outro naquele instante.

O jogo de futebol na TV acabou não rolando. Depois de uma lata de Skol, ele colocou a mão na minha perna e deslizou até a minha virilha. Fiquei inseguro, sem entender o que ele pretendia, mas o próximo movimento deixou claro qual era a sua intenção.

Sandro segurou minha mão com firmeza e a guiou até onde seu desejo já se fazia evidente, duro e implacável, como um bastão de beisebol. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa recatada, mas há uma parte de mim que não consegue resistir às tentações.

Confesso que eu nunca havia passado por uma situação como aquela. O receio, à primeira vista, foi grande – um impulso de recuo, um desconforto. Mas, como diz um amigo meu, “com jeito e paciência, qualquer coisa se resolve”. E, mesmo com o coração acelerado e o pensamento em conflito, não consegui resistir e caí em tentação.

Depois da foda, fumamos um cigarro e ficamos na cama por mais algum tempo, como quem espera que o tempo passe mais devagar. Depois, voltamos pra sala e eu ainda peguei o único gol do Corinthians, um gol sem muito sentido, já que o time precisava de outros dois.

Enquanto a TV exibia a comemoração do time adversário, peguei outra cerveja. Até aquele momento, nossas conversas tinham girado mais em torno do jogo do que sobre nossas próprias vidas. No começo, isso até parecia irrelevante – afinal, quem precisa de biografia quando o assunto é sexo, cerveja gelada e futebol meia-boca? Mas, àquela altura, conhecer um pouco mais sobre o outro parecia uma boa pedida.

“Ah! Por isso você comentou sobre meu cabelo e barba,” disse ele, com um olhar triunfante, quase juvenil, após eu contar que sou barbeiro há quase 15 anos.

Assenti com a cabeça.

“E você? Professor? Advogado?”, perguntei.

Nada do que ele havia dito dava pista de sua área de atuação, arrisquei o palpite com conta da barba bem aparada e armação de óculos em estilo clássico.

Ele sorriu e apontou um crucifixo pendurado na parede.

“Sou padre, no sacerdócio há uns 20 anos… Aliás, sou o pároco da igreja aqui do lado. Quer conhecer?”

Dei mais um gole na cerveja e voltei o olhar para o Cristo pregado na cruz, imóvel, sem responder. Por um instante, minha mente vagou, e eu me peguei imaginando: qual seria a dieta de Cristo para manter aquele corpo magro e o abdômen tão definido?

Sandro, como que tirado de uma cena desconexa, pousou a mão no meu ombro e, com um tom curioso, perguntou:

“E você, segue alguma religião?”

Respondi de forma vaga, dizendo que também era cristão, mas preferi não me aprofundar nas minúcias da minha crença. A conversa seguiu por mais alguns minutos, flutuando sobre temas dispersos. Após terminar a cerveja, agradeci pela recepção e chamei um Uber.

“Vamos manter contato, né?” Perguntou ele enquanto eu seguia em direção ao carro de aplicativo. “Depois te mando um Whats.”

A mensagem nunca chegou. Eu não costumo passar o meu número verdadeiro pra desconhecidos. Além disso, não poderia ficar trepando com um padre, sou evangélico, não faz sentido.

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