REFLEXÕES

NOSSOS PAIS

Durante toda a infância carregamos a crença que nossos pais sempre têm razão. O que eles dizem, para nós são verdades absolutas, uma espécie de dogma do qual não ousamos duvidar. Essa crença nos leva à outra: a de que eles são nossos super-heróis, valentes e indestrutíveis.

Com o tempo, entendemos que nossos pais não são indestrutíveis conforme imaginávamos. Não, nossos pais não são super-heróis. Eles também têm medos, receios e nem sempre possuem respostas para as nossas indagações.

Percebemos que eles são seres vulneráveis e que, na maioria das vezes, procuram forças entre seus temores e receios, a fim de proteger os filhos. Mas são seres frágeis e, muitas vezes, necessitam de afeto, amor, carinho.

E um dia chega o momento de inverter os papéis e, mesmo com nossos receios e temores, nós precisamos vestir a nossa capa e amparar àqueles que sempre nos protegeram.

Eis a lei da vida.

O QUE VOCÊ PODE FAZER PELO AMANHÃ?

“O amanhã não nos pertence”. Esta frase é repetida por milhares de pessoas ao redor do mundo como se fosse um mantra. Mas será que o amanhã não nos pertence mesmo?

Na cultura ocidental, a adoção de tal pensamento deve-se ao cristianismo, segundo o qual não cai uma folha se Deus não deixar.

Nas religiões orientais, embora esta filosofia não esteja diretamente relacionada à crença em um Deus pessoal, muitos acreditam que a preocupação com o futuro não nos permite viver o presente.

Seja qual for a sua opinião, o fato é que você é o único responsável por fazer o seu futuro e cabe a você planejar a fim de não passar por situações difíceis quando os anos se passarem. Assim sendo, você é o único responsável por seu futuro, o que o torna senhor do seu amanhã. 

Naturalmente, há determinadas situações que fogem do nosso controle, sobretudo em se tratando de enfermidades degenerativas. Em tais casos, nem sempre somos os culpados, afinal de contas, quem planeja ficar sofrendo com alguma moléstia. 

Sempre que tais situações nos sobrevêm, costumamos culpar a Deus. Mas, o fato de culparmos Deus pelos infortúnios que a vida nos apresenta o torna o responsável? A nossa tendência natural é acreditar que Deus está por trás dos eventos que ocorrem em nossa vida, mas aqui cabe uma reflexão: se Deus permite alguma moléstia incurável ele não estaria ele sendo apático e indiferente para com o sofrimento do ser humano? Tal atitude não o tornaria tão vil quanto o mais baixo ser humano? 

Passar a responsabilidade para a divindade é uma artimanha pueril de livrar-se da própria culpa.

As enfermidades são deficiências no sistema imunológico, inerente aos animais. É possível que em um futuro distante a ciência desenvolva equipamentos capazes de regenerar órgãos comprometidos por células cancerígenas, cegueira, etc., mas apenas as gerações futuras gozarão da tecnologia. A nós restam apenas os recursos disponíveis hoje os quais, lamentavelmente, não têm serventia nos mais graves de enfermidades.

Como você pode perceber, há casos que fogem do nosso controle e independem das nossas atitudes. Entretanto, na maioria dos casos o amanhã pertence a nós e ocorrerá de acordo com as atitudes tomadas no presente.

Quem te presenteará com um futuro brilhante? Você mesmo, se esse for o seu desejo e se esforçar para alcançar esse objetivo. Se você não for atrás dos seus objetivos, nenhum ser divino fará isso por você. Não adianta desejar um carro novo se você passar o dia em frente a uma TV vendo seriados americanos. Você tem que fazer acontecer. 

Alguns podem alegar que se trata de meritocracia, entretanto o fato inegável é que você pode e deve se esforçar no presente visando se beneficiar no futuro. Não há outro meio.

Há inúmeros casos de pessoas sem nenhuma perspectiva de um futuro brilhante e que, contrariando o mais provável, atingiram os seus objetivos através de esforço e abnegação. Eu tenho um amigo de longa data que, a despeito de sua realidade, decidiu que iria se formar em medicina. As pessoas achavam que ele havia perdido o juízo, pois em sua família não havia um indivíduo sequer com curso superior. Ainda assim, meu amigo não se deixou abater. Aprendeu a fazer trufas e passava boa parte do dia vendendo os bombons nos trens de São Paulo. Na outra parte do dia, quando não estava dentro dos trens, ele corria até a biblioteca pública mais próxima e devorava os livros da área em que pretendia se formar. Hoje, ele é um médico conceituado e respeitado em sua área. Não foi Deus que lhe deu o futuro que ele desejava, não foram os favores de pessoas mais influentes. Foi o seu esforço.

Se culpar Deus pelos infortúnios da vida é uma atitude insana, agradecê-lo por suas conquistas é menosprezar a sua própria capacidade.

Do it yourself. O seu futuro e as suas conquistas dependem unicamente de você.

O MONGE E A SERPENTE

Muitos anos atrás, em um povoado ao norte da Índia, houve um monge que decidiu se afastar da vida mundana e buscar refúgio em meio à floresta a fim de levar uma vida de santidade e abnegação.

Acompanhado por seu jovem discípulo, levou consigo somente os itens que julgou necessários para o sustento de ambos durante a semana de contemplação: seu  japamala, um cantil com água e um pedaço de pão que ganhara de um devoto.

Como de costume, o mestre foi adiante e o jovem aprendiz seguiu atrás, mantendo a distância de cinco passos.

Ao passar pelo vilarejo que havia antes de chegar à floresta, o monge avistou uma mulher sentada ao lado do poço onde os aldeões costumavam ir buscar água. Seu corpo era frágil e o olhar merencório. O homem santo se compadeceu da mulher e caminhou até ela, oferecendo-lhe um pouco de água fresca e alguns nacos do pão que carregava consigo. 

Ao perceber a aproximação de mulheres que caminhavam em direção ao poço, o monge fez um gesto ao jovem aprendiz e se pôs de pé a fim de prosseguir sua jornada.

Eles ainda não haviam se afastado mais de cinquenta passos quando ouviram a voz da mulher a qual haviam ajudado.

“Vocês viram aquele monge?” perguntou ela para as mulheres que se aproximavam. “Ele tem um pão inteiro no embornal, ainda assim ele me deu apenas alguns nacos” disse ela em tom lamurioso. “Onde já se viu um monge tão apegado a coisas materiais!? 

Ravi continuou a caminhar, ignorando os comentários maldosos da mulher, mas seu jovem discípulo se virou para trás e soltou um xingamento em tom quase inaudível.

“Mestre, por que o senhor não volta para se defender? Que mulher abusada!”

“As pessoas só dão aquilo que elas têm no coração, meu pequeno,”

“Se for assim, o coração daquela mulher transborda de ingratidão! Baguan kelie!”

Ravi não respondeu e Indra percebeu que aquele não seria o momento para formular outras questões.

Finalmente, chegaram à trilha estreita que dava acesso ao interior da floresta. O farfalhar das árvores e o odor fresco da vegetação  propiciaram uma sensação de paz e serenidade, inclusive ao pequeno monge impaciente.

Alguns minutos caminhando floresta adentro, o monge avistou uma cobra ferida. Indra se deteve assustado, o mestre, no entanto, se ajoelhou ao lado do animal e, com uma expressão compassiva, retirou o cantil do embornal e despejou um pouco de água fresca sobre a ferida do animal. Diante do olhar atento de seu pupilo, Ravi pegou a serpente e a acomodou entre seus abraços, tomando cuidado para não ferir ainda mais o animal. Uma hora haveria de encontrar um lugar seguro onde cuidaria do animal antes de devolvê-lo ao seu habitat.

Indra ficou curioso ao ver a atitude de seu mestre. Somente um homem santo poderia demonstrar tamanha compaixão para com um animal peçonhento.

“Talvez esta seja mais uma lição”, considerou o jovem aprendiz.

Três quilômetros adiante, uma clareira com um arbusto bem no centro surgiu diante dos religiosos. Mestre Ravi soltou o primeiro sorriso desde o início da jornada e apressou os passos.

Quando Ravi se ajoelhou a fim de soltar a cobra à sombra do arbusto, ela deu um bote e o picou no pescoço. Indra gritou desesperado e correu em direção ao mestre ferido, mas a serpente fugiu se contorcendo até desaparecer em meio as folhas úmidas que cobriam o chão.

“Mestre Ravi! Mestre Ravi!”, gritou o monge aprendiz.

Ravi permaneceu com um sorriso sereno no rosto, enquanto lutava com seu corpo a fim de manter-se em pé.

“Mestre, o senhor ajudou a serpente e, ao invés de demonstrar gratidão ela retribuiu com uma picada! Que animal detestável! Por que ela agiu dessa forma?”

“Porque essa é a natureza dela, meu pequeno. Ela não sabe agir de outra forma.”

Ravi suspirou fundo e segurou a mão do aprendiz.

“Esta é uma lição da qual você não deve se esquecer”, prosseguiu o mestre. “A cobra agiu de acordo com o seu instinto, pois ela não sabe agir de outra maneira. De modo semelhante agem as pessoas ingratas: na primeira oportunidade que elas têm, elas golpeiam quem as ajudou, pois essa é a natureza delas. De tais pessoas mantenha distância”

Tendo ensinado esta última lição, mestre Ravi deu um suspiro e fechou os olhos, com uma expressão serena na face.

O FRADE E O SABIÁ

Um frade decidiu deixar o convento e sair mundo afora ajudando os necessitados. Ele se sentia desmotivado e todo dia, a cada raiar do sol, seu hábito marrom se tornava um fardo pesado no qual sentia-se preso e roubava-lhe a felicidade de servir ao próximo. Seu desejo era alcançar um número  maior de pessoas e não apenas aos necessitados das comunidades circunvizinhas, pois, segundo ele vinha considerando nos últimos meses, pessoas necessitadas se encontram em todos os cantos e não apenas ao seu redor. Mesmo sabendo que tal atitude o afastaria dos ideais de sua comunidade, ele estava resoluto em sua decisão. E assim, deixou o convento e deu início à sua nova trajetória espiritual.

Decorridos alguns dias de intensa atividade em favor dos necessitados, seu corpo ficou exausto e sua mente, cansada; repousar se tornara uma necessidade premente. Deitou-se  à sombra de uma amoreira na pracinha central, colocou seu alforje ao lado do corpo e acomodou-se junto ao tronco da árvore, com as mãos espalmadas sob a cabeça.

Dois homens que vinham caminhando e conversando de forma animada, ao vê-lo deitado ao lado do alforje e com a cabeça sobre as mãos, pararam alguns pés de distância e fizeram um sinal de reprovação seguido por um comentário ácido:

“Nunca acreditei em religioso com aparência de santo” disse o homem apontando a Bíblia em sua direção. “Será que esses padres não sabem que excesso de humildade não passa de falsa religiosidade? É cada tipo de religioso…”

O frade permaneceu de olhos fechados, analisando o que acabara de ouvir. Os longos anos de convento lhe fizeram desenvolver tolerância e empatia, e ele ficou refletindo a fim de extrair algo de bom acerca do comentário feito. 

“Talvez ele esteja certo”, ponderou. “Eu deixei o convento a fim de alcançar um número maior de necessitados, mas como posso atuar em prol do próximo se eu não estou cuidando de mim mesmo?”

Quando os dois homens se afastaram, o frade, discretamente, observou ao seu redor e, ao ver que não havia outras pessoas caminhando por perto, apanhou seu alforje e colocou sob a cabeça, usando-o como travesseiro. 

Ele já estava quase pegando no sono, quando dois padres se aproximaram e pararam à sombra da amoreira, sem perceber sua presença. O frade imaginou que ouviria uma conversa edificante sobre a Bíblia ou acerca do sermão do dia, mas os padres faziam comentários maldosos acerca do coroinha. Como eles não haviam percebido a presença do frade, a conversa sobre do acólito continuou durante algum tempo.

O frade entendeu que a atitude daqueles sacerdotes não era correta, e, sem querer repreendê-los, tossiu e virou-se de lado, como se estivesse dormindo. Talvez, ao notarem a sua presença, eles deixassem de fofocar.

Ao contrário do que ele imaginou, um dos padres exclamou com desdém:

“Que belo tipo de religioso! Nunca vi um frade tão preguiçoso. Olha só! Ao invés de levar a vida de humildade pela qual optou, usa um travesseiro confortável para cochilar. Ele não deveria estar ajudando as pessoas ao invés de ficar descansando? De que adianta trajar esse hábito se ele não age como deveria? Não vale o que o gato enterra!” arrematou o sacerdote com deboche.

Quando os padres se afastaram, o frade abriu os olhos e ficou refletindo acerca das palavras do religioso. Nesse instante, um sabiá pousou sobre um galho da amoreira e se pôs a cantar alegre, despreocupado, sem se importar com o vai-e-vem das pessoas ou com o frade abaixo de si. 

“Que belo canto”, pensou. “Calmo, sereno e desprovido de maldade… Assim deveria ser a vida”.

Durante alguns minutos ele se deliciou ouvindo o gorjeio insistente do sabiá.  Absorto em suas reflexões e encantado pela tranquilidade que o pássaro lhe transmitia, seus pensamentos se expandiram como a fumaça leve que  deixa o incenso em busca de liberdade. Nesse instante, ele teve um insight:

“Se até este pássaro leva a vida de acordo com a sua natureza, sem se importar com o que acontece ao seu redor, por que haveria eu de dar ouvidos às críticas das pessoas? Pois bem! De agora em diante, vou viver de acordo com os ditames do que acredito e não de acordo com a opinião daqueles que querem ditar o meu modo de agir”.

Assim devemos enxergar a vida. De nada adianta querer agradar a todos e deixar o próprio querer em segundo plano. Abrir mão do que nos agrada apenas para satisfazer as demais pessoas é condenar a própria existência à infelicidade.

O PODER DA EMPATIA

Havia uma mulher muito pobre. O marido havia falecido após contrair malária, deixando a viúva com o filho pequeno e sem nenhuma reserva de bens. A mulher, sem força e sem experiência em trabalhar fora, começou a fazer artesanato de barro pra vender na feira. Era o único ofício que poderia desempenhar. 

Todo dia lá estava ela com seus bonecos de barro e um bacuri de olhar tristonho.

“R$10 cada boneco! Apenas R$10!” gritava ela o dia todo.

Ao fim do dia, voltava exausta para casa, carregando a sacola de boneco de barro na mão direita, e seu bacuri no braço direito. A fronte enrugada, lânguida, não permitia sorrir. Ademais, por que haveria de sorrir? Alguns dias vendia dois, três bonecos de barro, em outros, nenhum. A vida lhe pesava sobre os ombros e não havia ainda feito uma besteira por conta do guri pequeno.

Certo dia um mascate bateu-lhe à porta.

“Perfume de qualidade! Roupa de criança! Tapetes! Venha ver, minha senhora” gritou.

Ver? De que adiantaria se os trocados que tinha mal davam pra comprar o que comer?

O mascate continuava insistindo. Era seu ofício e se recuasse a cada negativa, não seria um vendedor. Por fim, Luzia saiu à porta.

“Posso ajudar, moço?”

“Por que não vem ver alguns produtos?” ele apontou os dedos na direção de sua caixa. “Só produto de qualidade, direto de São Paulo”.

Diante do olhar inseguro da mulher, o vendedor prosseguiu:

“A senhora por certo já ouviu falar de São Paulo. A metrópole do Brasil, a terra dos sonhos, e se o produto vem de lá, pode confiar!”

Para Luzia, São Paulo era uma terra tão distante, inatingível como o passado. A única imagem que lhe veio à mente foi a de um Cristo de braços abertos sobre uma montanha. O mesmo Cristo para o qual ela rezava toda e do qual havia esperado um milagre durante toda a vida. Mas as palavras do vendedor lhe atraiu a curiosidade.

Ela analisou um frasco de perfume, olhou o tapete de tirinhas. Depois, apanhou um short de criança e voltou os olhos para o guri parado junto à porta. Seus olhos ficaram marejados.

“Posso não, moço” disse ela devolvendo a roupa. “Fica pra outra vez”.

O vendedor balançou a cabeça e desviou o olhar na direção da criança.

“Posso lhe pedir uma coisa? Estou andando desde manhã, sem colocar na boca nem um gole d’água, nem um bocado de farinha. A senhora não teria um copo d’água pra refrescar a minha sede?”

Pouco a mulher tinha, mas quem poderia negar água a um sedento? Logo ela voltou com um copo cheio de água da moringa de barro feita por ela mesma. O mascate bebeu o líquido fresco e se despediu, agradecido.

“Moço!” chamou a mulher. “Tu não quer comer um bocadinho de arroz? Talvez se sinta mais fortalecido pra seguir o seu trabalho”.

O mascate aceitou. Sentou-se no degrau vermelho da escadinha da porta e, a cada colherada  que levava à boca, ele fechava os olhos e respirava fundo. Saboreou a refeição como se um banquete fosse. Agradeceu à mulher e, antes de partir, apanhou o short que ela havia olhado e estendeu em sua direção.

“Tome, moça. É pro seu bacuri”.

Os olhos da mulher ficaram marejados novamente, desta vez de emoção. 

“Vou lhe pagar com um dos meus bonecos de barro. O mais bonito! Aí o senhor vende e cobre o prejuízo do calção que deu ao meu moleque”.

Era uma de suas melhores obras. Nariz bem feito, cabelos carapinha, cintura fina e pernas longas. 

O mascate protegeu a boneca de barro com um tapete de tirinhas e seguiu seu caminho, com o estômago satisfeito e o ânimo revigorado. 

Um mês depois o mascate bateu à porta da mulher novamente. Entregou-lhe um envelope com R$50 e disse com um sorriso de satisfação:

“A mesma cliente que comprou a sua obra queria outras. Só não vendi porque não tinha”.

Ambos perceberam o valor de trabalhar em equipe. Luzia começou a fabricar seus bonecos de barro em uma escala maior, e Valério os vendia em São Paulo. Assim, deram início a uma parceria longa e duradoura.