INCENSOS

Meu incenso tinha acabado e eu precisava comprar mais. Apesar de ter sido criado na Congregação Cristã no Brasil, sempre gostei de queimar incenso em casa. Claro que meus pais nunca aprovaram essa prática, o que acabou levando o caso até o ancião, e eu quase fui excomungado. Isso só não aconteceu porque, dias depois, flagrei o ancião com a mão embaixo da saia da irmã organista. Como a sociedade funciona à base de troca de favores, chegamos a um acordo: ele continuou sobre o altar, e eu continuei a tocar trompete na banda.

Embora tenha crescido na Congregação, nunca fui um religioso fervoroso, sempre gostei de ir à igreja apenas por causa do ósculo santo, aquele cumprimento com beijo entre pessoas do mesmo sexo. Esperava ansiosamente pelo fim do culto pra poder dar a “paz de Deus” ao irmão Laércio, um quarentão gostoso pra cacete. Barba da cor de cobre e um perfume amadeirado que permanecia no meu rosto até eu chegar em casa. Talvez por isso meu incenso favorito seja de sândalo: amadeirado, forte, envolvente.

Voltando à compra dos incensos, gosto de comprar na Kalunga do shopping. O preço costuma ser mais em conta do que nas lojas de produtos esotéricos ou de umbanda. Além disso, sendo evangélico, não me sinto muito à vontade em uma loja de produtos de magia e afins.

Enquanto estava na prateleira de incensos, revirando as caixinhas em busca de outras fragrâncias que pudessem me agradar, um homem passou por mim e esbarrou no meu braço. Ele se desculpou com uma voz insegura, num misto de gagueira e constrangimento, e seguiu adiante pelo corredor. Balancei a cabeça, sem olhar pra o indivíduo, e continuei a caça por incensos diferentes dos que estava acostumado a comprar.

Já estava pra sair quando vi uma mão com dedos longos, como os de um pianista, se aproximar da minha e pegar uma caixinha de incenso de sândalo.

“Este aqui é o melhor, né? Amo sentir a fragrância de sândalo preenchendo cada espaço da minha casa.”

Quando olhei pra responder, lá estava o mesmo cara que, instantes antes, havia esbarrado no meu braço. Não sou do tipo que conversa com desconhecidos, mas, quando vi o sorriso cativante e os cabelos grisalhos, percebi que não podia evitar a conversa.

“Prazer!” disse ele, estendendo a mão na minha direção. “Me chamo Amadeu.” (Claro que Amadeu é um nome fictício, pois, por questão de ética, não vou citar o nome verdadeiro dele aqui.)

Além do sorriso cativante, ele tinha um aperto de mão firme, que transmitia confiança. 

Algumas pessoas, não são poucas, têm um aperto de mão tão leve que parece que estão tentando comunicar telepaticamente. Não sei se é falta de confiança, medo de pegar COVID ou só um pavor irracional de contatos humanos. Também tem aquelas que cumprimentam com as pontas dos dedos em formato de pinça, como se estivessem prestes a servir canapés invisíveis. E, meu Deus, como eu detesto esses apertos de mãos frouxos! Mas um aperto de mão firme como o do Amadeu, me cativa na hora!

A conversa fluía naturalmente para outros assuntos além do incenso. Era curioso como uma amizade começara na gôndola de uma loja, algo que eu jamais imaginara possível. Muitas vezes nos deparamos com pessoas que conhecemos há anos, mas a amizade não se desenvolve de forma genuína; fica apenas como um compromisso social, mantida por conveniência ou pelo desejo de ter pessoas atraentes, inteligentes ou financeiramente estáveis ao nosso redor.

Por outro lado, essa amizade, iniciada em menos de uma hora, me deixou incrivelmente à vontade. Era mútua, um conforto tão agradável que decidimos prolongar o papo no Starbucks. A cada novo tópico, sentia-me mais envolvido não apenas pela aparência, mas pela entonação da sua voz: profunda, bem articulada, com um toque rouco e sensual.

Eu optei por um cappuccino pequeno, enquanto ele preferiu um Mocha, coberto generosamente com chantilly e um canudo largo. Não me recordo de todos os assuntos abordados, lembro apenas que falamos sobre as pessoas malvestidas que passavam, do poodle chato latindo em nossa direção e do atendente do café, tão educado que parecia ter sido educado em algum colégio interno na Suíça. Permanecemos no café por pelo menos uma hora e, quando pensei em me despedir, Amadeu me convidou pra ir conversar na casa dele, beber uma cerveja e ver a final do Campeonato Brasileiro. Como não ia fazer nada no restante do dia, aceitei o convite.

A casa dele ficava ao lado da Paróquia de Nossa Senhora de alguma coisa que não me lembro agora e fiquei imaginando como deveria ser incômodo perder o sono com o barulho do sino logo pela manhã. Mas acabei não tecendo comentários sobre isso; o foco era outro naquele instante.

O jogo de futebol na TV acabou não rolando. Depois de uma lata de Skol, ele colocou a mão na minha perna e deslizou até a minha virilha. Fiquei inseguro, sem entender o que ele pretendia, mas o próximo movimento deixou claro qual era a sua intenção.

Amadeu segurou minha mão com força e a pousou sobre o pênis dele, que já estava rígido como uma linguiça paio. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa recatada, mas não resisto a uma tentação, então caí de boca e, pra minha surpresa, não era apenas um paio, mas um salame pulsante na minha boca. Nunca havia passado por uma experiência daquelas e fiquei com receio de ir adiante devido ao tamanho do pau do coroa, mas como diz um amigo meu, “com cuspe e com jeito você come o cu de qualquer sujeito”.

Depois da foda, fumamos um cigarro e ficamos na cama por mais algum tempo. Depois, fomos pra a sala e ainda consegui ver o único gol do Corinthians, já na prorrogação da partida. Mas qual a importância daquele gol solitário, se o time precisava de outros dois?

Enquanto a TV mostrava a comemoração do time adversário, apanhei outra cerveja. Até então, a gente havia conversado pouco sobre nossas próprias vidas. No início, parecia uma questão irrelevante, mas, após uma cerveja gelada, um sexo quente e um futebol meia-boca, conhecer um pouco mais sobre o outro viria bem a calhar.

“Ah! Por isso você comentou sobre meu cabelo e barba,” disse ele, com um olhar triunfante, quase juvenil, após eu contar que sou barbeiro há quase 15 anos.

Assenti com a cabeça.

“E você? Professor? Advogado?”

Nada do que ele havia dito dava pista de sua área de atuação, arrisquei o palpite com conta da barba bem aparada e armação de óculos em estilo clássico.

Ele sorriu e apontou um crucifixo pendurado na parede.

“Sou padre, no sacerdócio há uns 20 anos… Aliás, sou o pároco da igreja aqui do lado. Quer conhecer?”

Dei mais um gole na cerveja e fiquei observando o Cristo magro pregado na cruz, sem responder. Achei melhor não comentar sobre a minha religião. Conversamos por mais alguns minutos sobre assuntos aleatórios, agradeci pelo convite e chamei um Uber.

“Vamos manter contato?” Perguntou ele enquanto eu seguia em direção ao carro de aplicativo. “Depois te mando um Whats.”

A mensagem nunca chegou. Eu não costumo passar o meu número verdadeiro pra desconhecidos. Além disso, como poderia ficar trepando com um padre? Não, não! Sou evangélico, não faz sentido.

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