Quando o paciente chegou ao meu consultório com a boca firmemente fechada, fiquei imaginando o que poderia ter acontecido. Ele não conseguia abrir a boca para explicar a situação, e eu, por mais que me esforçasse, não conseguia entender os gestos que ele fazia, nem pensar em nenhuma patologia que apresentasse tal sintoma. Mil pensamentos passaram pela minha cabeça em uma fração de segundo. Entre as hipóteses que levantei estavam desde paralisia facial até algum caso bizarro de bruxaria. Não tinha como saber.
Sei que para algumas pessoas o conceito de bruxaria pode parecer coisa de gente ignorante, mas desde que comecei a participar do candomblé, eu aprendi a não duvidar mais de nada!
Quanto mais perguntas eu fazia, mais agitado ele ficava. Mas sou apenas um dentista, não um vidente. Sem respostas às minhas perguntas, estava completamente perdido sobre por onde começar. De qualquer forma, eu precisava dar uma olhada na boca dele.
Com um suspiro interno, conduzi o paciente até a cadeira, coloquei o avental sobre seu peito, acendi o refletor na direção da boca e calcei as luvas de silicone, preparando-me para o que viesse. Ele parecia um pouco menos agitado agora, mas mantinha os olhos arregalados fixos em mim e segurava o braço da cadeira com força.
Notei que ele fazia movimentos com o queixo, forçando para baixo, mas a boca continuava teimosamente fechada, como se estivesse presa ou costurada. Aquilo estava começando a parecer um daqueles casos improváveis que a gente só vê em filme pastelão de quinta, e eu, na pele do dentista desavisado, estava prestes a descobrir o que diabos estava acontecendo ali.
Antes de enfiar meu dedo na boca do paciente, fiz mais uma tentativa de obter alguma explicação:
“Você participou de algum ritual de bruxaria recentemente?”
Ele franziu a testa, claramente ofendido, e balançou a cabeça. Depois, fechou o punho e levou a mão até a boca, fazendo um movimento de vai e vem com ela.
“Estava tomando sorvete, é isso?”
Mais uma vez, ele meneou a cabeça e, agora, coçava a testa com vigor, como se estivesse tentando arrancar alguma ideia dali.
Não tinha mais o que fazer. Enfiei o indicador na boca dele e empurrei levemente para baixo. Fui imediatamente golpeado por um cheiro fétido de sangue coagulado, uma mistura de ferro com enxofre que me deu uma ânsia de vômito instantânea. Já me acostumei com o hálito de dragão de muitos pacientes, mas o odor que saiu da boca daquele paciente era de um nível completamente diferente.
Forcei um pouco mais e, para meu espanto, vi uma haste metálica cromada atravessando a língua do paciente, com uma extremidade enfiada no céu da boca e a outra próxima à gengiva. Já havia visto casos em que o arco do aparelho se solta e machuca a língua do paciente, mas nunca, em toda a literatura ortodôntica, havia lido sobre um arco que se soltasse e literalmente costurasse a língua de alguém ao céu da boca e ao assoalho da boca simultaneamente.
Abri a boca do paciente um pouco mais e, naquele instante, levei um susto. Felizmente, ele não percebeu minha reação, pois estava de olhos fechados — talvez por causa da dor, talvez pela vergonha. A ponta da língua dele estava roliça, parecendo a extremidade de uma linguiça calabresa, só que um pouco mais escura e coberta de sangue. Toquei a ponta do dedo na língua e fiz um movimento suave.
“Sente o meu dedo?”
Ele emitiu um som gutural, que entendi como uma negativa. Forcei um pouco mais o indicador.
“E agora, consegue sentir?”
Ele negou novamente.
Expliquei que precisaria abrir a boca dele um pouco mais, e expliquei que o movimento poderia causar desconforto e até certa dor, mas que era necessário. Ele concordou, não que tivesse muita escolha. Se não cooperasse, poderia causar maiores danos à boca.
Peguei o boticão e puxei o arco no sentido oposto à bochecha. Ele fechou os olhos com força e soltou um gemido de dor. Naquele instante, senti pena, sabendo que a dor era real e não mero drama. Felizmente, a ponta do arco se soltou do assoalho da boca, permitindo-me ter uma visão melhor da região. Agora, sim, eu poderia entender a extensão do problema e, com sorte, encontrar uma solução.
A boca do paciente resistia, semicerrada pela tensão. Persisti um pouco mais e ele finalmente relaxou. Parecia que a outra extremidade do arco ainda estava presa ao céu da boca, e eu precisava encontrar uma forma de removê-la. Puxar diretamente não era uma opção viável, então peguei uma broca de ponta fina e comecei a desgastar o metal na parte que estava próxima à língua. Surgiu um problema imediato: o desgaste do aço inoxidável pela broca poderia espalhar fragmentos metálicos pela boca do paciente, que poderiam ser engolidos. Era necessário agir rapidamente e encontrar outra solução.
Lembrei que havia trazido o alicate de cutícula da minha mulher para esterilizar na estufa. Talvez com ele eu pudesse cortar o arco sem espalhar fragmentos metálicos. E aleluia! Depois de muita insistência, o arco finalmente se rompeu. Removi a parte que atravessava a língua do paciente, mas percebi que ele ainda estava forçando a boca para mantê-la fechada, talvez por reflexo. A maioria dos pacientes fecha a boca inconscientemente durante os procedimentos. Percebi a necessidade de fazer movimentos leves com os dedos para relaxar a musculatura dele, devagarinho.
Finalmente, o paciente resolveu cooperar e relaxou o músculo da boca. Fiquei pasmo ao perceber que não era a ponta da língua que havia sido atravessada pelo arco ortodôntico. A língua estava avermelhada devido ao sangue, mas estava intacta. Havia outro pedaço de carne, um corpo estranho, mas definitivamente não era a língua. Será que ele estava comendo churrasco quando o arco se soltou? Talvez a carne estivesse dura, ou ele mastigou com muita força. Parecia a ponta de uma linguiça, mas linguiça é mole e, mesmo crua, não tem tanto sangue. Enfim, novas perguntas começaram a pulular na minha mente.
Apanhei uma pinça e, com cuidado, removi o corpo estranho de dentro da boca do paciente, colocando-o na bandeja. Não conseguia acreditar no que meus olhos viam e não sabia se devia olhar para aquele estranho pedaço de carne ou para os olhos arregalados do paciente, que me encaravam sem piscar. Retirei o pedaço do arco que havia caído sob a língua, enxaguei a boca do rapaz, pedi que ele cuspisse o enxaguante e esperei, imaginando que, por mais inconsistente que fosse, ele tentaria explicar o que havia acontecido.
Mas ele não disse nada. Apenas coçou a testa, visivelmente constrangido, e lançou um olhar furtivo para a glande roxa na bandeja. Então, num movimento rápido, ele se levantou da cadeira e saiu apressado.
“Pelo amor de Deus, doutor,” disse ele, ao passar pela porta. “Isso não pode sair daqui.”
Arrumou o cabelo num gesto dramático e partiu a passos largos, sem olhar para trás. E eu fiquei ali, parado, com a cabeça de uma rola na bandeja, tentando entender o que, afinal, havia acontecido.