A ideia da nova crônica é simples e humilhante: eu já tinha tomado banho, escovado os dentes, passado aquele hidratante vagabundo que promete juventude por R$ 19,90 e me deitado, decidido a fazer a única coisa madura e responsável que um adulto pode fazer numa segunda-feira: dormir antes da decadência total do corpo.
Aí, por volta de uma da manhã, começou. Primeiro, um rangido tímido no teto, depois, um arrastar de móveis, em seguida, gemidos. Não qualquer gemido, eram gemidos que pareciam trilha sonora de filme adulto com orçamento e patrocínio.
Era o famoso “casal do apartamento de cima”, com o fenômeno acústico que, a cada quinze dias, transformava meu quarto num camarote VIP involuntário. Eu já sabia o roteiro: cama batendo, cabeceira nervosa, gente gemendo e um uivo de macho alfa seguido do silêncio. E eu ali, separado, quase um ano sem transar, coluna ruim e a conta de luz atrasada.
Respirei fundo, tentei ser zen, pensei em mantras, na Torá, no diabo a quatro. Tentei racionalizar, mas o barulho aumentava, os gemidos subiam de tom, e minha maturidade descia.
Chegou um ponto em que não dava mais. Levantei, fui até a área de serviço, peguei a vassoura, o famoso instrumento de comunicação entre vizinhos, e comecei a bater no teto. Toque de recolher versão condomínio.
Por alguns minutos, silêncio. Senti-me um herói, um símbolo de ordem e decência, um defensor do direito ao sono. Voltei pra cama, ajeitei o travesseiro, fechei os olhos.
E então a cama deles recomeçou a bater com entusiasmo. Gemidos e frases soltas: “vai, vai”, “me faz de cadela”, “quem é sua puta, hein?”, tudo com a acústica perfeita de um prédio com acústica de quinta. Levantei de novo, já sem paciência e sem qualquer apego à boa convivência condominial. Taquei cabo de vassoura no teto com a fúria, com ódio crescente.
Dois minutos depois, o interfone tocou.
Naquele momento, soube que havia entrado oficialmente na diplomacia do caos com o casal de sem-noção. Atendi com a voz seca:
“Pronto!”
Era a vizinha de cima. A voz dela veio calma, quase simpática, o que me desarmou na hora.
“Oi, vizinho… percebi que você não tá conseguindo pegar no sono.”
“Difícil pegar no sono com essa barulheira, né?” Respondi.
“Não leva a mal, não. A gente tá aqui numa festinha… mais íntima. O que acha de subir aqui?”
Fiquei mudo por alguns instantes. Eu tinha visto a mulher no elevador algumas vezes e sempre achei ela com cara de puta, daquelas periquetes que frequentam baile funk e que jamais encontraria em uma festa de gente com bom relacionamento social. O marido (namorado ou sei lá o quê) por sua vez, parecia alguém que vive entre a laje de comunidade, o baseado e o financiamento de moto. Definitivamente, não era o casal com quem teria amizade, muito menos alguém que eu chamaria para apreciar um vinho no meu apartamento. Mas fazia tempo que eu não sabia o que era uma boa foda e me pareceu ser uma oportunidade, no mínimo, interessante.
Hesitei por uns segundos. Lembrei que já estava sem camisa, só de short de pijama. “Se eu for inventar de escolher roupa agora, perco o timing da suruba.” Refleti. A lógica não era das melhores, mas achei que aquilo poderia me ajudar a relaxar.. Aceitei.
Olhei pra minha cara no espelho do corredor. Cabelo amassado, barriga semi-solta, olheira de call center, e pensei: “Vá lá, campeão. Cinquenta e tantos anos de vida pra chegar nesse momento, não dá pra desperdiçar.”
Subi de chinelo e short, peito nu, tentando parecer confiante, mas me sentindo mais um entregador de pizza que esqueceu a caixa. Toquei a campainha. A porta se abriu, e a mulher surgiu escondendo as partes íntimas com a mão. O marido apareceu atrás dela, suado, rindo.
“Entra aí, cara”, ele disse, entregando o celular na minha mão.
Entrei no apartamento, percebi a cama desarrumada, luz baixa, música baixa. Clima de “produtor amador da internet”. Me posicionaram perto da parede.
“Filma pra gente, vizinho. De vários ângulos. Pode chegar perto, sem vergonha.”
Fiquei ali, gravando a cena. Gemido pra cá, grito pra lá, poses, olhares pra câmera. Eu, atrás do celular, fingindo profissionalismo, atuando como cinegrafista do Xvideos.
Conforme os minutos passavam, a minha excitação aumentava. E quanto mais o marido gemia teatralmente, mais eu pensava: “Acaba logo pra chegar a minha vez.”
Depois de mais de trinta minutos de gemedeira intensa, o cara deu um uivo final de macho alfa, virou pro lado e ficou ofegante. A mulher deitou de costas, rindo, suada, ajeitou o cabelo. “É agora. Agora é o momento. Agora entra o vizinho.”
Coloquei o celular em cima da cômoda, tirei o short do pijama e dei dois passos na direção da cama, pronto para estrear na minha fase libertinagem tardia.
A mulher arregalou os olhos:
“Que isso? Tá ficando louco?”
O marido levantou na hora, ainda meio zonzo, e disparou:
“Tá pensando o quê, maluco?”
Fiquei congelado, pelado, tentando encaixar o cérebro na realidade.
“Ué… vocês me chamaram pra… participar.”
Ela soltou uma risadinha de nojo, que até hoje escuto em slow motion na minha cabeça:
“Te chamei pra gravar, só isso. Quem gosta de pau velho é orquídea. Cai fora!
Meu pau murchou na hora. Fiquei ali, segurando o short, tentando enfiar uma dignidade inexistente junto com a perna.
Vesti o short sem olhar pra ninguém. O marido cruzou os braços, me encarando com aquela cara de “nunca mais encosta cabo de vassoura no meu teto”. A mulher virou pro lado, já pegando o maço de cigarro.
Saí do apartamento me sentindo um figurante que tentou roubar o protagonismo e foi chutado do set.
No corredor, o espelho do hall me entregou a cena completa: eu, descabelado, suado, em short de pijama, indo embora como um cachorro escorraçado da festa. Apertei o botão do elevador diversas vezes, como se o ato fosse acelerar a descida. Pro meu desespero, o elevador desceu devagar, mais lento do que desce em outras ocasiões. E o pior: eu tinha certeza que o porteiro estava vendo tudo pela câmera.
Entrei no meu apartamento, fechei a porta com cuidado, encostei as costas nela e deslizei até quase sentar no chão, tentando entender em que ponto da minha vida eu assinei esse contrato com o universo.
Fui pra cama disposto a esquecer tudo. Fechei os olhos, mas meus batimentos estavam acelerados demais pra me deixar relaxar. Abri os olhos e fiquei olhando pro teto.
Lá em cima, sons de gargalhadas atravessavam o teto e chegavam até mim. Gargalhadas altas que diminuíam cada vez mais a minha autoestima.
Enfiei dois comprimidos de Rivotril goela abaixo e suspirei fundo. “Amanhã será outro dia”, pensei.