Pastor Ezequiel, decepcionado com a igreja da qual fazia parte, decidiu abandonar a fé cristã e tentar algo diferente. Antes de se tornar evangélico ele já havia sido mórmon e kardecista, tendo flertado com a umbanda e o candomblé. Agora, queria experimentar algo novo, diferente das religiões que já conhecia.
Pesquisou, pesquisou e chegou à conclusão de que o judaísmo era uma boa opção. Possuía uma crença diferente e festas sem equivalentes no cristianismo, mas o cristianismo era filho do judaísmo e, diante de seu histórico religioso, poderia ser a religião ideal para ele naquele momento.
O xis da questão seria encontrar uma sinagoga que o aceitasse como estudante do judaísmo. Ezequiel não era descendente de judeus e a maioria dos rabinos que procurou não aceitava fazer conversão. Mas a busca continuou, assim como os estudos. Aprendeu sobre Sara, sobre Abraão e Jacó. Aprendeu a diferença entre Torá, Mishná e Talmude. E aprendeu também sobre a circuncisão.
No início ficou receoso.
“Vou precisar cortar a ponta do meu pinto?”, indagava a si mesmo.
Parecia uma ideia brutal e ele decidiu que seria judeu sem fazer a circuncisão. Faria apenas as rezas, as leituras dos livros, observaria as festas, mas remover o prepúcio estava fora de cogitação.
Catarina, por outro lado, achou a ideia ótima. Ela gostava de sexo oral, mas tinha nojo de fazer no marido, porque Ezequiel tinha excesso de pele no prepúcio, o que causava a retenção de urina e o odor desagradável poucas horas após a higienização. Sem o prepúcio, a piroca do marido ficaria limpa por mais tempo e, mesmo após um dia inteiro de trabalho, ela poderia usufruir sem sentir o odor de queijo gorgonzola.
Mas voltemos ao relato sobre a conversão. Ezequiel procurou absorver toda informação que podia sobre o judaísmo e continuou insistindo nas portas das sinagogas. Uma hora bateria na porta de um rabino que aceitaria fazer sua conversão.
E encontrou. Rabino Sami ouviu a história do pastor e o aceitou como aluno. Fez uma entrevista rigorosa, explicou o lado negativo da conversão, sobre a complexidade do hebraico, explicou sobre o ódio que algumas pessoas nutrem contra os judeus e deixou claro que seria uma viagem sem volta. Uma vez judeu, sempre judeu. Ezequiel ficou preocupado com o aprendizado do hebraico. O pobre pastor tinha dificuldade para interpretar os textos em português sobre a vida de Jesus, como interpretaria um texto em hebraico? Mas era um homem obstinado. Com dedicação conseguiria interpretar as letras, que, ao primeiro contato, pareciam estar de ponta-cabeça.
Tendo aceito as informações passadas pelo rabino, foi recebido como aluno. Sabia que a conversão não ocorreria de um dia para o outro. Teria anos de estudo pela frente, precisaria frequentar a sinagoga, e, ainda assim, precisaria passar pela prova final diante de um tribunal de rabínico, confirmando seu status de “filho de Abraão”.
Comprou um Sidur e começou a folhear com empolgação. No início parecia sem sentido, só depois entendeu que o livro deveria ser lido de trás para frente, como os demais livros religiosos. Depois adquiriu outros livros e aprendeu que o judaísmo surgiu muito antes de Jesus nascer, que Shabat não tem relação com o Black Sabbath, que Pessach não é para comer chocolate e que em Purim poderia encher a cara até ficar de porre.
Passou-se um ano de aprendizado e nada de conversão. Se fosse em sua antiga igreja, bastava levantar a mão, aceitar Jesus e pronto! Já estava convertido, mas ser judeu era diferente. Era necessário observar, aprender, praticar.
Finalmente o rabino percebeu seu envolvimento com a comunidade o aconselhou prosseguir ao passo seguinte: a circuncisão. Ezequiel imaginava que teria conseguido burlar esta etapa, mas o rabino explicou que não haveria a mínima possibilidade de se tornar judeu sem se submeter à retirada do prepúcio. Apesar do desespero, Ezequiel havia passado quase dois anos de sua vida respirando judaísmo e aspirando a conversão e não podia retroceder.
Ezequiel mal conseguiu dormir na noite que antecedia à cirurgia e se levantou de manhã com milhares de pensamentos pululando em sua cabeça e gases borbulhando no intestino. Transpirava frio só de imaginar alguém segurando seu pênis. E se algo desse errado? E se o mohel arrancasse a cabeça da rola ao invés do prepúcio?
“Modé ani lefaneha, Melech chai v…” Ele iniciou a reza matinal, mas não conseguiu concluir. A única coisa que lhe chegava à mente era a cabeça do pinto.
Naquele instante, foi a confissão de Catarina que lhe deu coragem para prosseguir. Ela confidenciou que transar com um homem circuncidado era desejo antigo e que a conversão dele havia sido preparada por Deus.
No início, Ezequiel ficou chateado com a confissão da mulher. Depois entendeu que seria a oportunidade de oferecer o que ela sempre desejou, garantindo a fidelidade da esposa e a manutenção do casamento.
Quando adentrou o saguão do centro cirúrgico, o rabino Sami já estava aguardando e o recebeu com o sorriso sempre amistoso.
O tempo demorou a passar naquela manhã, os ponteiros do relógio na parede da recepção giravam lentos, acuados, amedrontados.
Realizados os procedimentos pré-operatório, Ezequiel foi levado à sala de cirurgia. O mohel responsável pela remoção do prepúcio era um homem alto, com aperto de mão forte. O ex-pastor olhou com espanto para as mãos do médico. O indicador do cirurgião era maior que seu pinto, e ele ficou imaginando se o profissional teria a delicadeza necessária para retirar apenas a pontinha sem causar danos ao órgão.
Outra vez, o rabino o felicitou pela coragem e lhe deu um tapinha no ombro. Seus pensamentos, entretanto, estavam direcionados apenas para a ponta do pinto e não ouviu nada do que o religioso falou.
Após uma breve reza em hebraico, o rabino Sami fez um sinal para o médico, indicando que o candidato estava pronto.
Ezequiel fechou os olhos e suspirou fundo. Sentiu uma sensação de perda irreparável, como a partida de um ente querido. O aperto em seu peito era pungente e a aceleração, desesperadora.
Naquele instante, Ezequiel esbugalhou os olhos e gritou apavorado ao ver o bisturi diminuto na mão descomunal do médico:
“O sangue de Jesus tem poder!” Gritou convicto, como se estivesse no púlpito. “Deus me deu um pinto pequeno e eu ainda vou ter de cortar o pouco que tenho! Misericórdia, meu pai! Misericórdia!”
O rabino e o médico se entreolharam e ambos começaram a rir.
“Tenha fé, irmão! Jesus salvou a sua piroca”.
Ezequiel não teve coragem de dirigir o olhar para os olhos verdes do rabino. Mirou apenas a boca pequena perdida entre a barba ruiva do religioso e comentou com a voz embargada:
“Pensei que judeu não acreditasse em Jesus”.
“Um judeu não acredita, mas um cristão, sim”.