A palavra Cabala, do hebraico Kabalá, “recebimento”, designa um conjunto de ensinamentos esotéricos que, segundo a tradição judaica, teriam origem divina. De acordo com os cabalistas, essas revelações foram transmitidas por Deus a Adão, aos patriarcas e, de modo mais profundo, a Moisés, no Monte Sinai.
Entre os judeus, o termo é pronunciado como oxítono, Cabalá, mas fora do âmbito religioso, o vocábulo popularizou-se como Cabala, forma adotada pela literatura ocidental. A diferença é apenas fonética: o sentido permanece o mesmo.
Durante séculos, a Cabalá permaneceu uma tradição oral, passada de mestre a discípulo. Somente no século XIII surgiria seu primeiro registro escrito, o Zohar, palavra que significa “esplendor”, considerado até hoje o texto fundamental do misticismo judaico.
O que é a Cabalá
Mas afinal, o que é a Cabalá? O que ela ensina e por que o Zohar ocupa posição tão central em sua doutrina?
Mais do que uma simples filosofia mística, a Cabalá busca compreender a natureza de Deus, do universo e da alma humana. É, em essência, uma leitura esotérica da Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia, cuja interpretação simbólica revelaria os segredos da Criação.
O Zohar, atribuído ao rabino Simeon ben Yohai, do século II, foi publicado pelo escritor espanhol Moses de León no século XIII. A obra expõe a teosofia cabalista, uma cosmologia espiritual que trata da natureza divina, da alma, do bem e do mal, e da ligação entre a luz de Deus e o homem.
Da tradição judaica ao interesse pop
Embora a Cabalá seja uma corrente mística do judaísmo, seu estudo extrapolou o ambiente religioso. No final do século XX, com a ascensão da Nova Era, ela conquistou novos públicos. O fenômeno ganhou força quando celebridades como Madonna, Mick Jagger e Luciano Huck declararam estudar Cabalá, gerando uma explosão de livros, cursos e centros de estudo ao redor do mundo.
Instituições como o Kabbalah Centre, por exemplo, difundem uma versão universal e simplificada do misticismo judaico, enquanto movimentos como o Renovação Judaica buscam reaproximar os judeus de suas raízes espirituais.
Uma doutrina complexa e exigente
A Cabalá, porém, está longe de ser uma disciplina de aprendizado rápido. O verdadeiro cabalista dedica anos de estudo à Torá, ao hebraico e aos textos sagrados, desenvolvendo também uma mente contemplativa capaz de refletir profundamente sobre Deus e o sentido da existência.
Sem essa base, o risco é transformar um sistema milenar de sabedoria em mera curiosidade esotérica. Além disso, o vocabulário cabalístico, repleto de termos em hebraico e expressões rituais, pode ser de difícil acesso para quem não possui formação judaica.
As três vertentes da Cabalá
A tradição cabalística se divide em três principais vertentes:
Atualmente, os estudos concentram-se sobretudo na dimensão teórica, embora alguns mestres ainda preservem elementos da meditação cabalística.
O mapa do universo: as dez Sefirot
No centro da cosmologia cabalística está o conceito de Ein Sof, o Infinito, a essência divina que transcende qualquer compreensão humana. Segundo os cabalistas, o Ein Sof manifesta-se no mundo por meio de dez emanações espirituais chamadas Sefirot:
Keter (Coroa), Chochmá (Sabedoria), Biná (Entendimento), Chesed (Misericórdia), Gevurá (Força), Tiferet (Beleza), Netzach (Vitória), Hod (Majestade), Yesod (Fundação) e Malkut (Reino).
Essas Sefirot são representadas graficamente na Árvore da Vida, um diagrama simbólico que descreve a estrutura do universo e o caminho de ascensão espiritual do homem. Cada esfera corresponde a uma qualidade divina e, juntas, formam o mapa da Criação.
O alfabeto hebraico, composto de 22 letras, também desempenha papel crucial nessa cosmologia, sendo considerado um “código celestial”, instrumento pelo qual Deus teria estruturado o cosmos.
Entre o mito e a disciplina espiritual
Há inúmeras lendas sobre cabalistas que alcançaram façanhas prodigiosas, como ascensões espirituais, controle sobre forças celestes e domínio sobre o destino. Contudo, segundo os próprios estudiosos, o verdadeiro objetivo da Cabalá não é o poder, mas a elevação moral e espiritual.
Nas palavras do filósofo Abraham Joshua Heschel, os místicos judeus “querem provar todo o trigo do espírito antes que seja moído pelas mós da razão”. Em outras palavras, buscam a experiência direta com o Divino, não apenas o conhecimento sobre Ele.
Durante a Idade Média, essa busca podia envolver rituais práticos e invocações angelicais. Hoje, o estudo da Cabalá é sobretudo contemplativo, voltado ao autoconhecimento e ao aprimoramento da alma.
O sentido contemporâneo da Cabalá
Nos tempos modernos, a Cabalá continua a inspirar tanto estudiosos quanto curiosos. A internet está repleta de sites que prometem “orações cabalísticas” para atrair prosperidade ou “assinaturas energéticas” para transformar a vida.
Mas os cabalistas tradicionais são categóricos: prosperidade se conquista com trabalho e dedicação, não com fórmulas mágicas. O verdadeiro propósito da Cabalá é a transformação interior, tornar-se um ser humano mais consciente, mais elevado e mais em sintonia com o Divino.
Assim, longe dos modismos e das promessas fáceis, a Cabalá permanece o que sempre foi: uma sabedoria profunda, nascida do encontro entre a fé e o mistério, um mapa espiritual que convida o homem a decifrar, dentro de si mesmo, os segredos da criação.