Escrevo esta crônica com a mão esquerda, pois a direita ainda tenta desenterrar do bolso o cartão de visitas de um “Emerson” que jurava ser meu primo distante da Zona Leste. (Spoiler: não era. Spoiler do spoiler: ninguém naquele lugar era quem eu pensava.)
Tudo começou com um e-mail que parecia lacrado a ouro líquido: “Você está convidado para a inauguração exclusiva do restaurante Le Pamplemousse Sanglotant, endereço sob sigilo para evitar plebe.” O remetente? Uma tal de “Liza Botelho”, que assinava com um emoji de pombo-correio usando tiara. Como toda pessoa razoável, ignorei os três primeiros sinais de que aquilo era furada:
Mas eu, autor de crônicas best-sellers entre minha mãe e o amigo do hall do prédio, decidi ir, afinal, estava na lista. E, como diz a máxima que inventei na hora: “Se o destino te coloca na lista, você vai e come de graça.”
Vesti meu único paletó, comprado antes da pandemia pra um casamento que terminou em divórcio logo depois que as pessoas deixaram de usar máscaras, e passei metade da tarde praticando meu riso de quem “adora ceviche de sagu”. Cheguei ao endereço: uma fachada preta com uma toranja neon chorando. O segurança, um homem alto, troncudo e com cara de poucos amigos, pediu meu nome.
“Claudio Novak?”, ele perguntou, franzindo o cenho como se “Novak” fosse uma doença rara transmitida por fruta ou sei lá o quê.
“O próprio!” respondi, exibindo meu convite como se fosse o Oscar de Melhor Ator em Festa de Famosos que Não Conheço.
Entrei.
O lugar era um cruzamento entre um bunker palestino e um spa ayurvédico. Luzes lilases, música new age e uma escultura central que, conforme supus, representava um maço de “cheiro verde”. O cardápio? Tártaro de inhame com espuma de melancia e sorvete de beterraba defumada. Eu, que almocei um churrasco grego no açougue da esquina de casa, engoli em seco.
Fui recebido como se fosse o filho perdido do Roberto Carlos. “Claudinho! Meu amor!” — gritou uma mulher com um vestido que parecia feito de sacola de supermercado eco. “Você finalmente veio! Lembra de mim? Daquela vez no café em Lisboa? Com o flamingo?”
Não lembrava, mas sorri como se lembrasse muito.
Em segundos, estava cercado. Um homem de monóculo me falou sobre sua cerveja artesanal feita com cambuci e canela. Uma senhora de batom vermelho-vivo jurou ter me visto no TikTok dançando funk carioca aos pés do Cristo Redentor (juro que nunca dancei. Muito menos funk carioca no TikTok.), e todos me chamavam de “Claudinho”, “Clau” ou “Novak”.
Estava tudo estranho, mas, após três drinks, eu já me sentia entre amigos.
A noite fluiu como um sonho de Dalí depois de comer queijo azedo. Fiz networking com um chef que assinava pratos com pinceladas de espuma de aspargos, ganhei uma camisa com a imagem de coentro e espargos, e tirei uma selfie com um influencer vegano que se emocionou ao provar um carpaccio de beterraba.
Poucos minutos antes da meia-noite, eu estava no meio de um círculo de novos amigos cantando parabéns para mim. Sim. Era meu aniversário. Como assim? Meu aniversário é em dezembro, dia 29, pra ser exato, e nunca tive festa por causa do Natal e Ano Novo! Mas quem questiona um bolo de cenoura sem glúten e o título de “alma da festa” dado por desconhecidos?
Depois dos parabéns, agradeci a surpresa e saí dali à francesa, com a cabeça confusa e sem entender o que havia acontecido.
Em casa, já aos 45 minutos do novo dia, abri meu celular: 47 mensagens. Todas de amigos reais.
“Onde você está, cara? Tô aqui no Le Pamplemousse, no Jardins. Até o Alex Atala tá aqui distribuindo brigadeiro de pistache!”
“Claudião, cadê você? Porra! Tem um homônimo seu aqui que parece louco. Apareceu com uns pães de queijo com gosto de nada e fica falando de comida vegana. Chato pra cacete!”
“Você tá vivo, cara? Kkkkkkkkkkkkkkkkk”
Congelei.
Abri o Instagram. Hashtag: #Pamplemousse. Lá estava ele. Um homônimo meu, Claudio Novak (sem o “z” no final), cercado pelos meus amigos, exibindo um pão de queijo na palma da mão.
Mas como?
Rebobinei a noite. A mulher do flamingo, o chef da espuma de aspargos, o influencer emocionado com o carpaccio de beterraba. Ninguém tinha me perguntado meu nome. Ninguém confirmou. O segurança dissera “Claudio Novak”, e eu, bobo, disse “o próprio”, sem notar que o sobrenome terminava com um “k” mudo.
Pesquisei o nome no ChatGPT. Resultados:
O número 2 era o da festa.
Eu, Claudio 1, fui parar na inauguração do Claudio 2. E ninguém percebeu. Porque, claro, ninguém conhecia ninguém. Era um evento tão descolado que ninguém sabia quem era quem. A única coisa que importava era estar na lista. E eu estava. Por engano. E, ao que parece, o Claudio 2 foi parar onde eu deveria estar.
Mas aí vem a reviravolta:
No dia seguinte, postei uma foto com o bolo de cenoura sem glúten. Legenda: “Obrigado, Le Pamplemousse Sanglotant, por me adotarem. Já marquei meu aniversário fake pro ano que vem.”
Minha DM explodiu.
“Você foi ao falso? Kkkkkkk”
“Claudio, o seu homônimo vegano tá processando o restaurante por plágio de identidade!”
“Você é famoso no grupo Pessoas que Foram ao Le Pamplemousse Errado!”
Hoje, tenho 3.847 novos seguidores. Criei um clube: “Os Errados do Pamplemousse”.
E o melhor: o outro Claudio, o do pão de queijo vegano, me convidou para o lançamento de sua nova obra: “risoto ao ragu de jaca”.
Aceitei. Dessa vez, confirmei o endereço duas vezes.