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O CRONISTA, O HOMÔNIMO E O CARPACCIO DE BETERRABA

Escrevo esta crônica com a mão esquerda, pois a direita ainda tenta desenterrar do bolso o cartão de visitas do Emerson que jurava ser meu primo distante da Zona Leste. (Spoiler: não era. Spoiler do spoiler: ninguém naquele lugar era quem eu pensava).

Tudo começou com um e-mail escrito em letras douradas: “Você está convidado para a inauguração do restaurante Le Pamplemousse Sautillant, endereço sob sigilo para evitar plebe.” O remetente? Uma tal de “Liza Botelho”, que assinava com um emoji de pombo-correio usando tiara. Como qualquer pessoa sensata, desconfiei de um possível golpe, afinal, depois dos 50, o instinto é proteger-se, mas também bate aquela vontade de viver novas aventuras, ignorando os perigos.

Resolvi aceitar o convite. Pois eu, autor de crônicas best-sellers para minha mãe e para o amigo do hall do prédio, estava na lista VIP. E como gosto de repetir minha máxima recém-inventada: “Se o destino te coloca na lista, você vai, e come de graça tudo o que puder.”

Vesti meu único blazer, comprado antes da pandemia pra um casamento que terminou em divórcio logo depois que as pessoas deixaram de usar máscaras, e chamei o Uber. Vinte minutos depois cheguei ao endereço: uma fachada preta, com uma toranja neon chorando, o que soou bastante estranho. Se a tradução do nome do restaurante era toranja saltitante”, porque a fruta estava chorando? A recepcionista, uma moça magra, de vestido justo, sorriso treinado e prancheta em punho, pediu meu nome.

“Claudio Novak?”, ela confirmou, franzindo o cenho, após eu falar meu nome.

“O próprio!” respondi, exibindo meu convite na tela do celular.

Entrei.

O lugar era um cruzamento entre um bunker palestino e um spa ayurvédico. Luzes lilases, música new age e uma escultura central que, conforme supus, representava um maço de “cheiro verde”. O cardápio? Tartar de carne de jaca com espuma de melancia e sorvete de beterraba defumada. Eu, que almocei um churrasco grego no açougue da esquina de casa, engoli em seco.

Fui recebido como se fosse algum filho perdido do Roberto Carlos. “Claudinho, meu amor!” Gritou uma mulher com um vestido que parecia feito de sacola de supermercado eco. “Você finalmente chegou! Lembra de mim? Daquela vez no café em Lisboa, lembra?”

Não lembrava, mas sorri como se lembrasse muito.

Em segundos, estava cercado. Um tal de Emerson se aproximou afirmando ser meu primo. Um casal me falou sobre sua cerveja artesanal feita com cambuci e canela. Uma senhora de batom vermelho-encarnado jurou ter me visto no TikTok dançando funk carioca aos pés do Cristo Redentor (juro que nunca dancei. Muito menos funk carioca no TikTok.), e todos me chamavam de “Claudinho”, “Clau” ou “Novak”.

Estava tudo muito esquisito, mas após três drinks feitos com frutas da estação eu já me sentia entre amigos.

A noite fluiu como um devaneio estranho depois de comer queijo azedo. Fiz networking com um chef que assinava pratos com pinceladas de espuma de aspargos, ganhei uma camisa com a imagem de coentro e rabanete, e fiz uma selfie com um influencer vegano que se emocionou ao provar um carpaccio de beterraba.

Poucos minutos antes da meia-noite, eu estava no meio de um círculo de novos amigos cantando parabéns para mim. Sim, eu era o homenageado. Mas por que parabéns pra mim? Meu aniversário é só no dia 29 de dezembro, e nunca ganhei festa nenhuma por causa do Natal e Ano Novo. Mas, convenhamos, quem vai questionar um bolo de cenoura sem glúten e o título de “alma da festa” dado por um bando de desconhecidos?

Depois dos parabéns, agradeci a surpresa e saí dali à francesa, com a cabeça confusa e sem entender o que havia acontecido.

Em casa, já aos 45 minutos do novo dia, abri meu celular: umas 10 mensagens, todas de amigos reais.

Onde vc tá, cara? A gente tá aqui no Le Pamplemousse Sautillant, no Jardins. Até o Alex Atala tá aqui distribuindo brigadeiro de pistache!

Claudião, cadê vc? Porra! Tem um homônimo seu aqui que parece louco. Apareceu com uns pães de queijo com gosto de nada e fica falando de comida vegana. Chato pra kct!

Você tá vivo, cara? Kkkkkkkkkkkkkkkkk

Congelei.

Abri o Instagram. Hashtag: #PamplemousseSautillant. Lá estava ele. Um homônimo meu, Claudio Novak (sem o “z” no final), cercado pelos meus amigos, exibindo um pão de queijo na palma da mão.

Mas como?

Rebobinei a noite. A mulher do café em Lisboa, o chef da espuma de aspargos, o influencer emocionado com o carpaccio de beterraba. Ninguém tinha perguntado meu nome. Ninguém confirmou. A recepcionista do evento foi a única que perguntou meu nome e repetiu Claudio Novak, e eu, bobo, disse “o próprio”, sem notar que o sobrenome pronunciado por ela terminava com um “k” mudo.

Pesquisei o nome no ChatGPT. Resultados:

  • Claudio Novakz, autor de “Por Dentro do Judaísmo”. (Eu)
  • Claudio Novak, chef de cozinha especialista de pratos veganos. (O Claudio 2)
  • Claudio Novack, jogador do Coritiba.

Eu, Claudio 1, acabei indo parar na festa do Claudio 2. Ninguém estranhou, e nem poderiam, afinal era uma Meet Strangers Party, onde todo mundo finge que se conhece, mas, na verdade, não conhece ninguém. Só depois percebi a confusão: meu convite era para o Le Pamplemousse Sautillant, nos Jardins, enquanto o do Claudio 2 era para um evento vegano no Le Pamplemousse Sanglotant, na Vila Mariana. Além de quase termos o mesmo nome, os bares ainda resolveram brincar de trava-língua. E, para piorar, quando fui pedir o carro pelo aplicativo, digitei apenas “Pamplemousse” e apertei no primeiro endereço que apareceu na tela. E provavelmente, o Claudio 2 fez a mesma coisa.

Mas aí vem a reviravolta:

No dia seguinte, postei uma foto com o bolo de cenoura sem glúten. Legenda: “Obrigado, Le Pamplemousse Sanglotant, por me adotarem. Já marquei meu aniversário fake pro ano que vem.”

Minha DM explodiu.

Vc foi ao falso? Kkkkkkk

seu homônimo vegano tá processando o restaurante por plágio de identidade!

Hoje, tenho mais de 1000 novos seguidores no Instagram, e acrescentei na minha bio: “O Errado do Pamplemousse”.

E o melhor: o outro Claudio me convidou pro lançamento de sua nova obra: “risoto ao ragu de jaca”.

Aceitei. Dessa vez, confirmei o nome e o endereço várias vezes.

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