Sabe aqueles bonecos de pano cheios de alfinetes espetados e cujo objetivo é fazer mal para as pessoas? Muitos filmes de Hollywood retratam o voduísmo dessa forma, mas este artigo vai mostrar como a religião é diferente da retratada nos filmes.
O voduísmo, ou simplesmente vodu, é uma mistura de religiões africanas e catolicismo. Surgiu no Haiti com os escravos e se espalhou com os imigrantes haitianos, chegando a vários cantos do Caribe e Estados Unidos.
Para os voduístas, além do aspecto religioso, o vodu engloba filosofia, medicina e a justiça. Seu princípio fundamental é que tudo é espírito. Os humanos são espíritos que habitam o mundo visível e o mundo invisível é povoado pelos espíritos dos ancestrais, dos recém-falecidos e pelos Loas, que são seres espirituais parecidos com os exus do candomblé.
Apesar da crença vodu acreditar na reencarnação, eles pouco se importam com a vida pós-morte. O principal objetivo e atividade do praticante de vodu é servir os espíritos, oferecer orações e realizar vários ritos devocionais dirigidos a Deus e aos espíritos em troca de saúde, proteção ou qualquer outro favor.
O Vodu começou quando os escravos africanos chegaram ao Haiti com suas tradições nativas, mas assim como ocorreu no Brasil, eles eram proibidos de praticar sua religião. Por isso, eles começaram a usar imagens de santos católicos para reverenciar os seus Loas sem sofrer punição por parte dos senhores. Por causa disso, cada entidade do vodu está identificada com algum santo católico.
No entanto, como em qualquer religião, os seguidores do Vodu não podem ser agrupados em uma única categoria e como não existe um dogma padronizado dentro do Vodu, dois templos na mesma cidade podem ensinar mitologias diferentes e atrair os espíritos de maneiras diferentes.
Mas, de modo geral, nas cerimônias eles fazem uso de tambores, músicas, dança, rezas, possessão de espíritos e sacrifício de animal. O tipo de animal a ser morto depende do espírito que solicitar. Pode ser um bode ou uma galinha. Após oferecer o sacrifício ao espírito, a carne do animal é cozida e repartida entre os participantes ou, às vezes, é enterrada.
O voduísmo é uma religião monoteísta, ou seja, os seguidores do vodu acreditam em um único e supremo deus. Esta divindade é conhecida como Bondyé ou Bonié, duas palavras que derivam do francês e significam “o bom deus”. Entretanto, o Bondyé é uma figura distante cuja existência está muito além da compreensão humana, por isso, a única forma de os humanos terem a percepção do mundo espiritual é através dos Loas.
A relação entre humanos e os Loas é recíproca. Os voduístas oferecem comida, bebidas, charutos e outros itens apreciados pelos Loas e, em troca, os espíritos retribuem prestando algum favor. De modo geral, os Loas são convidados a possuir um voduísta durante o ritual para que a comunidade possa interagir diretamente com eles.
Cada espírito tem o seu próprio símbolo, por isso eles costumam fazer desenhos no chão com fubá, cinza, borra de café ou casca de ovo em pó a fim de invocar o espírito. Além dos símbolos, cada loa tem um conjunto muito específico de demandas que devem ser atendidas antes de conceder favores àquele que pede sua ajuda.
Mas, apesar dessa interação com o mundo espiritual, os voduístas não fazem distinção entre o bem e o mal e não possuem nenhum código de ética padronizado. O objetivo dos voduístas é resolver questões do dia a dia, como doenças, infortúnios ou lançar sortilégios contra a vida de algum inimigo. A vida no além, como já explicado, fica em segundo plano.
Diferente da crença popular, os bonecos de vodu com alfinetes espetados não refletem o vodu tradicional. Na maioria das vezes, os bonecos são usados para atrair a presença dos Loas, assim, cada um usa o boneco conforme o propósito, mas não unicamente para prejudicar as pessoas.
Existem três classes de espíritos: os chamados Rada Loa e os Petuo Loua.
Os Rada Loa são espíritos bons, benevolentes e justos. Já os Petuo Loa são espíritos maus, violentos e se envolvem em questões financeiras.
A terceira classe de espíritos pode atuar como bons ou maus, dependendo da situação.
Nas cerimônias religiosas, o primeiro espírito saudado é o Papa Leba, também conhecido como Papa Legbá, e é retratado como um velho fraco que se veste com roupas esfarrapadas, chapéu e usa uma bengala. Ele é considerado o protetor das estradas, das encruzilhadas e das casas. Suas cores são o preto e o vermelho.
Depois eles saúdam os Marassá, que são espíritos gêmeos.
Mas há muito outros Loas. No vodu haitiano, um Loa bastante evocado é a Mamãe Brigitte. Ela é associada à morte e ao submundo e retratada como um galo preto.
O Loa Baron Samedi é responsável pelos cemitérios e também pela ressurreição. Ele é o companheiro da Mamãe Brigitte.
O Loa Ogum veio da tradição iorubá e é um guerreiro, evocado para ajudar em questões que envolvem conflitos. As oferendas para esse Loa precisam ser animais macho e seus animais preferidos são galos e cães.
A Loa Oxum é conectada aos rios e às águas e, por estar relacionada à riqueza, as pessoas que recorrem a ela quem recorre à sua ajuda pode ser ajudado com abundância e generosidade. Oxum gosta de receber mel, abóbora e canela.
Mas como explicado anteriormente, a quantidade e diversidade de Loas pode variar de acordo com o templo ou “nação”.
A incorporação dos espíritos faz parte de todos os rituais. A pessoa que recebe o Loa é chamada de “cavalo”. Os voduístas acreditam que tudo o que ocorre durante a possessão não é lembrado pela pessoa incorporada.
Durante a incorporação, o cavalo assume o comportamento e as expressões do espírito possuidor. Por exemplo, a pessoa possuída por Zaka, que é o espírito da agricultura, se veste com roupas de camponês, chapéu de palha, cachimbo de barro e fala com sotaque rústico.
Percebe a semelhança entre o vodu e o candomblé?
De modo geral, como podemos ver, o voduísmo não é nenhuma religião tão diferente das que temos no Brasil. Se a gente comparar o voduísmo com o candomblé, vamos perceber que as duas são religiões bem parecidas, tanto na origem, quanto na prática.
Quem disseminou a fama de seita macabra para o voduísmo foi o cinema de Hollywood, mas a religião é como qualquer outra, com pessoas boas e pessoas más.
Então, da próxima vez que você ver um boneco de vodu, lembre-se que ele pode ser apenas um amuleto para atrair a presença dos espíritos, talvez, visando a cura de uma pessoa querida, questões no trabalho, um prato de comida para o filho faminto e, claro, pode ser, também, a morte de um inimigo.
Por Claudio Novakz