Um frade decidiu deixar o convento e sair mundo afora ajudando os necessitados. Ele se sentia desmotivado e todo dia, a cada raiar do sol, seu hábito marrom se tornava um fardo pesado no qual sentia-se preso e roubava-lhe a felicidade de servir ao próximo. Seu desejo era alcançar um número maior de pessoas e não apenas aos necessitados das comunidades circunvizinhas, pois, segundo ele vinha considerando nos últimos meses, pessoas necessitadas se encontram em todos os cantos e não apenas ao seu redor. Mesmo sabendo que tal atitude o afastaria dos ideais de sua comunidade, ele estava resoluto em sua decisão. E assim, deixou o convento e deu início à sua nova trajetória espiritual.
Decorridos alguns dias de intensa atividade em favor dos necessitados, seu corpo ficou exausto e sua mente, cansada; repousar se tornara uma necessidade premente. Deitou-se à sombra de uma amoreira na pracinha central, colocou seu alforje ao lado do corpo e acomodou-se junto ao tronco da árvore, com as mãos espalmadas sob a cabeça.
Dois homens que vinham caminhando e conversando de forma animada, ao vê-lo deitado ao lado do alforje e com a cabeça sobre as mãos, pararam alguns pés de distância e fizeram um sinal de reprovação seguido por um comentário ácido:
“Nunca acreditei em religioso com aparência de santo” disse o homem apontando a Bíblia em sua direção. “Será que esses padres não sabem que excesso de humildade não passa de falsa religiosidade? É cada tipo de religioso…”
O frade permaneceu de olhos fechados, analisando o que acabara de ouvir. Os longos anos de convento lhe fizeram desenvolver tolerância e empatia, e ele ficou refletindo a fim de extrair algo de bom acerca do comentário feito.
“Talvez ele esteja certo”, ponderou. “Eu deixei o convento a fim de alcançar um número maior de necessitados, mas como posso atuar em prol do próximo se eu não estou cuidando de mim mesmo?”
Quando os dois homens se afastaram, o frade, discretamente, observou ao seu redor e, ao ver que não havia outras pessoas caminhando por perto, apanhou seu alforje e colocou sob a cabeça, usando-o como travesseiro.
Ele já estava quase pegando no sono, quando dois padres se aproximaram e pararam à sombra da amoreira, sem perceber sua presença. O frade imaginou que ouviria uma conversa edificante sobre a Bíblia ou acerca do sermão do dia, mas os padres faziam comentários maldosos acerca do coroinha. Como eles não haviam percebido a presença do frade, a conversa sobre do acólito continuou durante algum tempo.
O frade entendeu que a atitude daqueles sacerdotes não era correta, e, sem querer repreendê-los, tossiu e virou-se de lado, como se estivesse dormindo. Talvez, ao notarem a sua presença, eles deixassem de fofocar.
Ao contrário do que ele imaginou, um dos padres exclamou com desdém:
“Que belo tipo de religioso! Nunca vi um frade tão preguiçoso. Olha só! Ao invés de levar a vida de humildade pela qual optou, usa um travesseiro confortável para cochilar. Ele não deveria estar ajudando as pessoas ao invés de ficar descansando? De que adianta trajar esse hábito se ele não age como deveria? Não vale o que o gato enterra!” arrematou o sacerdote com deboche.
Quando os padres se afastaram, o frade abriu os olhos e ficou refletindo acerca das palavras do religioso. Nesse instante, um sabiá pousou sobre um galho da amoreira e se pôs a cantar alegre, despreocupado, sem se importar com o vai-e-vem das pessoas ou com o frade abaixo de si.
“Que belo canto”, pensou. “Calmo, sereno e desprovido de maldade… Assim deveria ser a vida”.
Durante alguns minutos ele se deliciou ouvindo o gorjeio insistente do sabiá. Absorto em suas reflexões e encantado pela tranquilidade que o pássaro lhe transmitia, seus pensamentos se expandiram como a fumaça leve que deixa o incenso em busca de liberdade. Nesse instante, ele teve um insight:
“Se até este pássaro leva a vida de acordo com a sua natureza, sem se importar com o que acontece ao seu redor, por que haveria eu de dar ouvidos às críticas das pessoas? Pois bem! De agora em diante, vou viver de acordo com os ditames do que acredito e não de acordo com a opinião daqueles que querem ditar o meu modo de agir”.
Assim devemos enxergar a vida. De nada adianta querer agradar a todos e deixar o próprio querer em segundo plano. Abrir mão do que nos agrada apenas para satisfazer as demais pessoas é condenar a própria existência à infelicidade.