O que é a empatia se não o universo do outro dentro de si? Colocar-se no lugar do outro torna a vida mais leve e mais humana

O PODER DA EMPATIA

Havia uma mulher muito pobre. O marido havia falecido após contrair malária, deixando a viúva com o filho pequeno e sem nenhuma reserva de bens. A mulher, sem força e sem experiência em trabalhar fora, começou a fazer artesanato de barro pra vender na feira. Era o único ofício que poderia desempenhar. 

Todo dia lá estava ela com seus bonecos de barro e um bacuri de olhar tristonho.

“R$10 cada boneco! Apenas R$10!” gritava ela o dia todo.

Ao fim do dia, voltava exausta para casa, carregando a sacola de boneco de barro na mão direita, e seu bacuri no braço direito. A fronte enrugada, lânguida, não permitia sorrir. Ademais, por que haveria de sorrir? Alguns dias vendia dois, três bonecos de barro, em outros, nenhum. A vida lhe pesava sobre os ombros e não havia ainda feito uma besteira por conta do guri pequeno.

Certo dia um mascate bateu-lhe à porta.

“Perfume de qualidade! Roupa de criança! Tapetes! Venha ver, minha senhora” gritou.

Ver? De que adiantaria se os trocados que tinha mal davam pra comprar o que comer?

O mascate continuava insistindo. Era seu ofício e se recuasse a cada negativa, não seria um vendedor. Por fim, Luzia saiu à porta.

“Posso ajudar, moço?”

“Por que não vem ver alguns produtos?” ele apontou os dedos na direção de sua caixa. “Só produto de qualidade, direto de São Paulo”.

Diante do olhar inseguro da mulher, o vendedor prosseguiu:

“A senhora por certo já ouviu falar de São Paulo. A metrópole do Brasil, a terra dos sonhos, e se o produto vem de lá, pode confiar!”

Para Luzia, São Paulo era uma terra tão distante, inatingível como o passado. A única imagem que lhe veio à mente foi a de um Cristo de braços abertos sobre uma montanha. O mesmo Cristo para o qual ela rezava toda e do qual havia esperado um milagre durante toda a vida. Mas as palavras do vendedor lhe atraiu a curiosidade.

Ela analisou um frasco de perfume, olhou o tapete de tirinhas. Depois, apanhou um short de criança e voltou os olhos para o guri parado junto à porta. Seus olhos ficaram marejados.

“Posso não, moço” disse ela devolvendo a roupa. “Fica pra outra vez”.

O vendedor balançou a cabeça e desviou o olhar na direção da criança.

“Posso lhe pedir uma coisa? Estou andando desde manhã, sem colocar na boca nem um gole d’água, nem um bocado de farinha. A senhora não teria um copo d’água pra refrescar a minha sede?”

Pouco a mulher tinha, mas quem poderia negar água a um sedento? Logo ela voltou com um copo cheio de água da moringa de barro feita por ela mesma. O mascate bebeu o líquido fresco e se despediu, agradecido.

“Moço!” chamou a mulher. “Tu não quer comer um bocadinho de arroz? Talvez se sinta mais fortalecido pra seguir o seu trabalho”.

O mascate aceitou. Sentou-se no degrau vermelho da escadinha da porta e, a cada colherada  que levava à boca, ele fechava os olhos e respirava fundo. Saboreou a refeição como se um banquete fosse. Agradeceu à mulher e, antes de partir, apanhou o short que ela havia olhado e estendeu em sua direção.

“Tome, moça. É pro seu bacuri”.

Os olhos da mulher ficaram marejados novamente, desta vez de emoção. 

“Vou lhe pagar com um dos meus bonecos de barro. O mais bonito! Aí o senhor vende e cobre o prejuízo do calção que deu ao meu moleque”.

Era uma de suas melhores obras. Nariz bem feito, cabelos carapinha, cintura fina e pernas longas. 

O mascate protegeu a boneca de barro com um tapete de tirinhas e seguiu seu caminho, com o estômago satisfeito e o ânimo revigorado. 

Um mês depois o mascate bateu à porta da mulher novamente. Entregou-lhe um envelope com R$50 e disse com um sorriso de satisfação:

“A mesma cliente que comprou a sua obra queria outras. Só não vendi porque não tinha”.

Ambos perceberam o valor de trabalhar em equipe. Luzia começou a fabricar seus bonecos de barro em uma escala maior, e Valério os vendia em São Paulo. Assim, deram início a uma parceria longa e duradoura.