Muitos anos atrás, em um povoado ao norte da Índia, houve um monge que decidiu se afastar da vida mundana e buscar refúgio em meio à floresta a fim de levar uma vida de santidade e abnegação.
Acompanhado por seu jovem discípulo, levou consigo somente os itens que julgou necessários para o sustento de ambos durante a semana de contemplação: seu japamala, um cantil com água e um pedaço de pão que ganhara de um devoto.
Como de costume, o mestre foi adiante e o jovem aprendiz seguiu atrás, mantendo a distância de cinco passos.
Ao passar pelo vilarejo que havia antes de chegar à floresta, o monge avistou uma mulher sentada ao lado do poço onde os aldeões costumavam ir buscar água. Seu corpo era frágil e o olhar merencório. O homem santo se compadeceu da mulher e caminhou até ela, oferecendo-lhe um pouco de água fresca e alguns nacos do pão que carregava consigo.
Ao perceber a aproximação de mulheres que caminhavam em direção ao poço, o monge fez um gesto ao jovem aprendiz e se pôs de pé a fim de prosseguir sua jornada.
Eles ainda não haviam se afastado mais de cinquenta passos quando ouviram a voz da mulher a qual haviam ajudado.
“Vocês viram aquele monge?” perguntou ela para as mulheres que se aproximavam. “Ele tem um pão inteiro no embornal, ainda assim ele me deu apenas alguns nacos” disse ela em tom lamurioso. “Onde já se viu um monge tão apegado a coisas materiais!?
Ravi continuou a caminhar, ignorando os comentários maldosos da mulher, mas seu jovem discípulo se virou para trás e soltou um xingamento em tom quase inaudível.
“Mestre, por que o senhor não volta para se defender? Que mulher abusada!”
“As pessoas só dão aquilo que elas têm no coração, meu pequeno,”
“Se for assim, o coração daquela mulher transborda de ingratidão! Baguan kelie!”
Ravi não respondeu e Indra percebeu que aquele não seria o momento para formular outras questões.
Finalmente, chegaram à trilha estreita que dava acesso ao interior da floresta. O farfalhar das árvores e o odor fresco da vegetação propiciaram uma sensação de paz e serenidade, inclusive ao pequeno monge impaciente.
Alguns minutos caminhando floresta adentro, o monge avistou uma cobra ferida. Indra se deteve assustado, o mestre, no entanto, se ajoelhou ao lado do animal e, com uma expressão compassiva, retirou o cantil do embornal e despejou um pouco de água fresca sobre a ferida do animal. Diante do olhar atento de seu pupilo, Ravi pegou a serpente e a acomodou entre seus abraços, tomando cuidado para não ferir ainda mais o animal. Uma hora haveria de encontrar um lugar seguro onde cuidaria do animal antes de devolvê-lo ao seu habitat.
Indra ficou curioso ao ver a atitude de seu mestre. Somente um homem santo poderia demonstrar tamanha compaixão para com um animal peçonhento.
“Talvez esta seja mais uma lição”, considerou o jovem aprendiz.
Três quilômetros adiante, uma clareira com um arbusto bem no centro surgiu diante dos religiosos. Mestre Ravi soltou o primeiro sorriso desde o início da jornada e apressou os passos.
Quando Ravi se ajoelhou a fim de soltar a cobra à sombra do arbusto, ela deu um bote e o picou no pescoço. Indra gritou desesperado e correu em direção ao mestre ferido, mas a serpente fugiu se contorcendo até desaparecer em meio as folhas úmidas que cobriam o chão.
“Mestre Ravi! Mestre Ravi!”, gritou o monge aprendiz.
Ravi permaneceu com um sorriso sereno no rosto, enquanto lutava com seu corpo a fim de manter-se em pé.
“Mestre, o senhor ajudou a serpente e, ao invés de demonstrar gratidão ela retribuiu com uma picada! Que animal detestável! Por que ela agiu dessa forma?”
“Porque essa é a natureza dela, meu pequeno. Ela não sabe agir de outra forma.”
Ravi suspirou fundo e segurou a mão do aprendiz.
“Esta é uma lição da qual você não deve se esquecer”, prosseguiu o mestre. “A cobra agiu de acordo com o seu instinto, pois ela não sabe agir de outra maneira. De modo semelhante agem as pessoas ingratas: na primeira oportunidade que elas têm, elas golpeiam quem as ajudou, pois essa é a natureza delas. De tais pessoas mantenha distância”
Tendo ensinado esta última lição, mestre Ravi deu um suspiro e fechou os olhos, com uma expressão serena na face.